Marcelo. A política tem de saber responder aos jovens de 2019

Presidente da República focou discurso do 25 de abril nos mais jovens, defendendo que estes pedem passos mais rápidos e mais ambição. E voltou a falar contra os populismos e os messianismos
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"Dir-se-ia que foi ontem, mas já passaram 45 anos". Foi a lembrar os jovens que viveram o 25 de abril de 74 que o Presidente da República falou esta quinta-feira, na cerimónia comemorativa dos 45 anos da revolução, nos jovens de 2019, alertando que estes pedem hoje respostas urgentes e inequívocas para problemas novos. Num discurso muito focado nos desafios que se colocam à juventude - e nas exigências que esta coloca ao sistema político - Marcelo voltou a falar, como já fez em anos anteriores, contra os populismos e os messianismos.

Num permanente paralelismo entre os anos da revolução e o presente, Marcelo defendeu que "o desafio dos jovens de 74 era muito nacional, concentrado em 3 objetivos: a paz em África, a democracia e o desenvolvimento. Mas o desafio dos jovens de 2019 é muito mais global e exigente na diversidade de fatores".

Os jovens de hoje querem "passos concretos, visíveis e mais rápidos" e os políticos devem saber responder-lhes, defendeu Marcelo. Em que questões? "Quando volta Portugal a querer ser uma sociedade a rejuvenescer? Pelos que nascem e pelos que vêm de fora?" - e fez questão de dizer por duas vezes esta última parte.

"Como esbater as desigualdades, entre pessoas, grupos e territórios - sublinho, territórios", prosseguiu o Presidente da República. Mais: "Como e quando antecipamos o que aí vem, no emprego e no trabalho, perante mutações que em cinco, dez anos, vão mudar os sistemas produtivos?".

E "quando e como conseguimos explicar aos menos jovens que há mesmo alterações climáticas, que há mesmo solidariedade intergeracional?", disse ainda Marcelo, sublinhando que estas questões não são "bizantinices".

Para Marcelo não basta acenar aos jovens de hoje com o que já existe. Eles querem um "mundo mais aberto, mais dialogante, mais multilateral" - "não contem com eles para passadas ou futuras clausuras" - e "querem-no em gestos diários, em vivências quotidianas". Têm uma "participação diversa, amiúde inorgânica, tantas vezes digital" na sociedade, e queixam-se, diz Marcelo, de não encontrar respostas no sistema político.

"A democracia tem de compreender" e saber dar resposta a esta exigência, sublinhou o chefe do Estado, destacando que isso não admite "clientelismos" ou "adiamentos crónicos face a problemas sociais".

"Parece um programa impossível? Talvez", referiu o chefe de Estado, mas para dizer que é de sonhos impossíveis que se faz a História. "A História de Portugal é a história de uma pátria que nasceu impossível, uma impossibilidade com quase 900 anos".

"Não vemos estes 45 anos como obra perfeita, acabada, mas reconhecemos que valeu a pena o passo fundador", disse Marcelo, acrescentando que "esperamos mais, muito mais da Europa e da comunidade de países falantes de língua portuguesa". E, como tem feito em praticamente todos os discursos do 25 de abril, desde o primeiro, em 2016, voltou a alertar contra "basismos ilusórios, sebastianismos de passados que não voltam, messianismos de messias impossíveis".

Cavaco ausente das comemorações

A ouvir Marcelo estiveram Ramalho Eanes e Jorge Sampaio, ambos acompanhados das respetivas mulheres, mas não Cavaco Silva, que faltou à sessão parlamentar solene comemorativa do 25 de abril.

Das personalidades convidadas para a sessão, destaque também para a ausência de todos os ex-primeiros-ministros, de António Guterres a Durão Barroso, passando por Pedro Santana Lopes, Pedro Passos Coelho e José Sócrates. A exceção foi Francisco Pinto Balsemão, que se sentou junto aos ex-PR.

Nas galerias estiveram presentes alguns dos capitães que derrubaram o regime há 45 anos, nomeadamente o coronel Vasco Lourenço, presidente da Associação 25 de Abril. Faltou porém Otelo Saraiva de Carvalho.

O Governo - que não tem direito a palavra nesta sessão - compareceu em peso, com António Costa à cabeça.

Eis as intervenções que se ouviram no Parlamento na manhã desta quinta-feira:

PAN. "A elite política está de costas voltadas para o futuro das pessoas"

André Silva, deputado único do PAN, abre as intervenções na sessão solene comemorativa do 25 de abril com um alerta sobre os problemas ambientais que ameaçam o planeta. O parlamentar sublinha que "é inegável que vivemos hoje melhor que há 45 anos", mas salienta que há um indicador que nunca é considerado nesta avaliação - "Nunca demos atenção, e continuamos a não dar, aos indicadores que alertam para os défices ambientais". Que são uma antecâmara dos "graves problemas humanitários com que seremos confrontados num futuro próximo e que podem comprometer, inclusivamente, a nossa sobrevivência enquanto espécie".

"Mais do que a coragem e visão que têm faltado aos decisores políticos, falta-lhes o básico: a empatia. Empatia pelo nosso semelhante, pelas outras formas de vida, pelo planeta, a nossa casa comum", diz André Silva, apontando o dedo a todo o espetro político: "Da esquerda extrativista à direita produtivista, apenas podemos esperar guerrilha partidária, tecnocracia e discursos redondos e vagos".

"A elite política está de costas voltadas para o futuro das pessoas", acusa o deputado do PAN, sublinhando que são os jovens, "movidos pela urgência climática e pela desesperança na classe política que não os ouve" que têm levantado a voz em defesa do planeta. "As gerações que vão receber um planeta esgotado sentem-se cada vez mais ignoradas e abandonadas pelos partidos do regime que apenas pensam e agem em função de interesses económicos de curto prazo", aponta parlamentar.

PEV apela à participação eleitoral

Heloísa Apolónia subiu ao púlpito para, num discurso marcado pela ausência de críticas diretas à governação do PS, recordar que se aproximam três atos eleitorais (Europeias, Regionais da Madeira e Legislativas) e fazer um apelo à participação eleitoral, recordando que nas primeiras eleições livres após o 25 de Abril (um ano depois, em 25 de Abril de 1975, para eleger a Assembleia Constituinte) a participação "ultrapassou os 90%".

"Abdicar desse direito de votar, que custou tanto a conquistar, é uma rendição ao conformismo, é deixar nas mãos dos outros a decisão, quando a verdade é que cada voto conta para fazer a diferença e determinar a correlação de forças políticas", disse a deputada do PEV.

A deputada pediu também a "audácia" de "avançar" com a "responsabilidade de quem acredita que a política é traiçoeira quando se sustenta nos interesses dos banqueiros agiotas".

PCP. Os "pequenos passos" dos últimos anos nos caminhos de abril

Diana Ferreira, deputada do PCP, sobe ao púlpito para lembrar os "tenebrosos 48 anos da ditadura fascista" - "Porque o fascismo existiu. Semeou pobreza, fome, miséria, analfabetismo e doença. Impôs o trabalho infantil. Subjugou as mulheres. Foi o poder de meia dúzia de famílias multimilionárias. Fez da corrupção política do Estado. Censurou e oprimiu. Perseguiu e prendeu opositores".

Destacando o papel do PCP, e de gerações de comunistas, no 25 de abril, Diana Ferreira sublinha que "Abril não é só um dia" - "são dezenas de anos de um caminho desbravado e trilhado passo a passo".

"Num país fustigado por mais de quatro décadas de política de direita, com especial brutalidade durante o período da política dos PEC, foi preciso lutar muito para derrotar os planos daqueles que, a partir dos grupos económicos e do governo PSD/CDS, pretendiam eternizar a política de cortes de direita".

Um caminho invertido nos últimos anos, diz Diana Ferreira, que aponta uma "nova fase da vida política nacional". E se as medidas tomadas a atual legislatura "são certamente pequenos passos", são igualmente "passos que devem ser valorizados pelo que significam na vida do povo português".

CDS exige desculpas pelos escândalos do BES, PT e CGD

O CDS escolheu para discursar aquele que é provavelmente o mais conservador dos seus deputados, Filipe Anacoreta Correia.

Embora tenha pontuado a intervenção com poesia de Alberto Caeiro - "Não basta abrir a janela para ver os campos e os rios. É preciso também não ter filosofia nenhuma. Com filosofia não há árvores: há ideias apenas" -, o deputado do CDS não se eximiu a fortes críticas ao PS.

"O que precisamos ainda de ver para ouvir um pedido de desculpas - por parte de um governo, um partido ou regime - pelo escândalo do que foi tirado aos portugueses em compadrios políticos e económicos que destruíram riqueza e atiraram empresas nacionais como a CGD, o BES ou a PT para perdas que todos suportamos?", interrogou.

Veladamente, Filipe Anacoreta Correia fez ainda referência à controvérsia em torno das nomeações de familiares no Governo do PS. "A deferência diante das instituições em que se tem a honra de servir o país aconselha prudência e repúdio de banalizada familiariedade", disse. Acrescentando: "A promiscuidade com o poder, seja de âmbito económico, partidário ou familiar é incompatível com a dignidade democrática."

BE critica "pressão presidencial" na Lei de Bases da Saúde

"Era um país cinzento e triste quando nasci". Assim começou o discurso do deputado do Bloco de Esquerda Jorge Falcato, que relembra "um país mergulhado no medo, no discurso do respeitinho, onde o destino era marcado pela família em que se nascia", onde "amigos desapareciam às mãos da PIDE"."A todos os que nunca desistiram, o nosso obrigado", diz Jorge Falcato, aplaudido pela bancada do BE, mas também por muitos deputados do PS.

O parlamentar do Bloco sublinha que "Abril é sinónimo de conquistas, mas engana-se quem afirma que não é sinónimo de lutas" - "Os interesses instalados moviam-se para impedir os avanços nos direitos e organizavam-se para lançar o terror na sociedade, por vezes com a conivência das forças de segurança, como todos os dias sou forçado a não esquecer. Foi uma bala da PSP que me colocou nesta cadeira [de rodas] por ter protestado contra a realização de uma manifestação de extrema-direita".

E se o 25 de Abril é sinónimo de lutas, elas não ficaram no passado, diz Jorge Falcato, que vira o discurso para várias interrogações ao PS e uma clara crítica ao Presidente da República. "O Serviço Nacional de Saúde pode voltar a andar de cravo ao peito, como Arnaut o sonhou, ou manterá a porta aberta para o negócio dos privados em cedência à pressão presidencial?", questiona o parlamentar do BE. Uma reação às palavras de Marcelo Rebelo de Sousa, que defendeu que o futuro diploma não pode fechar a porta do SNS ao setor social e privado. A questão tem também dividido bloquistas e socialistas - o BE chegou a anunciar um acordo com o governo para o fim das parcerias público-privadas na Saúde, mas esse entendimento é negado pelo PS.

Outra lei de bases - a da Habitação - mereceu também uma referência de Jorge Falcato: "Chegará a ser uma realidade, plena de de cravo ao peito, ou o direito à Habitação ficará a depender da vontade dos especuladores imobiliários?".

"Celebrar Abril não pode ser uma cerimónia anual, é um compromisso permanente e muito há a fazer", diz do púlpito o deputado bloquista, referindo que "há ainda muitos cidadãos e cidadãs de segunda em Portugal" - porque "são diferentes", porque "têm uma deficiência".

PS. César pede atenção para os "perigos" que espreitam a democracia

Citando o escritor judeu italiano sobrevivente de Auchwitz Primo Levi - "Aconteceu, pode acontecer de novo!" -, Carlos César, líder da bancada socialista, aproveitou a sua intervenção na sessão parlamentar solene de celebração do 25 de Abril para dizer que será "um erro desvalorizarmos os perigos" que espreitam a democracia: "Aliciamentos e receituários que se fazem atrativos, que trocam os medos pela intolerância, pela mentira e pelo apoucamento dos políticos e das instituições democráticas - com o propósito inconfessado não de as reformar mas de as suprimir".

"É bom que vivamos o nosso empenhamento cívico na consciência do risco que a todo o tempo nos cerca", disse ainda - acrescentando depois que esse risco se combate tendo atenção "às novas dimensões do desenvolvimento económico e social."

A concluir, Carlos César pediu que os "cuidados" da classe política se centrem nas "novas gerações" e na procura de soluções para os novos problemas que enfrentam: "sobre-exploração e esgotamento dos recursos naturais", "disparidades demográficas", "dificuldades dos sistemas de Saúde e de Segurança Social", "desregulação", "terrorismo", "alterações imensas nas funções profissionais e nas relações de trabalho".

PSD evoca fantasma da bancarrota

O deputado Pedro Roque faz a intervenção do PSD, alertando que a democracia - que "por vezes julgamos um resultado garantido e acabado" - é "frágil"."Inúmeros são os casos em que regimes democráticos, aparentemente consolidados, cederam lugar ao autoritarismo", sublinha, apontando o "crescente número de posições radicais como propostas para a resolução de problemas".

"É por isso que rejeitamos quaisquer representações ideológicas anacrónicas, tais como trabalho contra capital, público contra privado ou esquerda diabolizando a direita", acrescenta.

No discurso, o parlamentar social-democrata acusa o Governo de fazer uma "gestão corrente" em nome de uma "agenda tática", por forma a a garantir a "sobrevivência da coligação parlamentar". "Continuamos a olhar com alguma apreensão para o futuro do país", diz o deputado - "Não gostaríamos de voltar a ver Portugal sujeito a ajuda financeira externa, tal como aconteceu em 2011

Para Pedro Roque, passados três anos e meio sobre o início da legislatura, adensaram-se as "incontáveis contradições" entre o que dizem os partidos da "troika coligativa" e a "realidade do país e do povo" - "a Justiça não deixou de ser morosa, as queixas no Serviço Nacional de Saúde amplificaram-se, os salários são baixos e insatisfatórios, a descentralização não saiu do papel e da oratória, a sustentabilidade da Segurança Social continua ameaçada de morte, a carga fiscal não deu sinais de baixar". Já para não falar, acrescenta Pedro Roque, da "elevada conflitualidade laboral e greves sem precedentes".A seguir ao PSD falou o presidente da Assembleia da República. Eduardo Ferro Rodrigues fez um discurso fortemente centrado na responsabilização da classe política por medidas de credibilização - que evitem a ascensão dos populismos.

Ferro Rodrigues pressiona centrais sindicais para que se renovem

O presidente da AR fez mesmo questão de mostrar o que para si é populismo. "Falamos de ultra nacionalismo, de xenofobia, de derivas autoritárias. Falamos do ódio ao imigrante, às minorias, ao parlamentarismo democrático", disse. Ou seja: "Convém não normalizar aquilo que não é normalizável. É mesmo de extrema-direita autoritária que estamos a falar".

Num momento em que se fala do crescimento de novas formas de sindicalismo - nos enfermeiros, nos estivadores, nos motoristas de cargas perigosas - Ferro Rodrigues fez questão de deixar um alerta para as centrais sindicais: "Devem compreender que sem inclusão, participação ativa dos associados e justiça nas reivindicações, a tendência para a fragmentação e para o reforço dos interesses com pequena dimensão mas grande poder será dificilmente reversível".

Regressando aos apelos à classe política -, o presidente da AR falou também dos debates que se travam em ano eleitoral: "Que sejam capazes de travar um debate franco e leal, baseado em alternativas claras" porque "a política dos casos é a arma dos fracos, daqueles que não têm ideias nem alternativas". A bancada do PS aplaudiu o presidente da AR, interpretando as suas palavras como uma crítica velada à campanha do cabeça de lista do PSD às Europeias, Paulo Rangel.

Ferro Rodrigues deixou ainda um outro apelo - que até pode ser entendido como se dirigindo também ao seu próprio partido: "Que consigamos ser tão exigentes com os efeitos sociais das políticas públicas como somos quanto ao seu efeito económico e financeiro." Ou, dito de outra forma: "Que além das várias instituições que zelam pelo rigor orçamental surjam no espaço as vozes daqueles que têm menos voz: a voz dos mais pobres, a voz de todas as vítimas de discriminação social."

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