Grandes aviões não são solução para combater fogos em Portugal

Presidente do Centro de Estudos e Intervenção em Proteção Civil critica opção
Publicado a: 
Atualizado a: 

Utilizar grandes aviões cisterna como o recém-estreado Boeing 737 para combater fogos em Portugal pouca ou nenhuma eficácia traria face aos aparelhos a hélice normalmente usados, disseram esta sexta-feira especialistas ouvidos pelo DN.

"Estamos a falar de perfis de orografia e de terreno bem diferenciados" relativamente aos que existem na Austrália ou na Califórnia, "pelo que aqui em Portugal não me parece que essa questão seja relevante", sublinhou Duarte Caldeira, presidente do Centro de Estudos e Intervenção em Proteção Civil (CEIPC).

Portugal vai adquirir cinco aeronaves - os KC-390 - para a Força Aérea nos próximos anos com capacidade para serem usados no combate aos fogos, substituindo os Hércules C-130 - os quais se prevê que sejam depois usados igualmente nessa missão.

Mas esses são aparelhos a jacto, mais compridos que os C-130 em cerca de cinco metros com a mesma altura e largura de asas. Por comparação com os mais pequenos dos novos 737 (35,5 metros), os KC-390 têm quase o mesmo comprimento - e são maiores que algumas das versões lançadas no final dos anos 1990.

Duarte Caldeira, frisando desconhecer os resultados do emprego do primeiro Boeing 737 adaptado para combate aos fogos, que começou quinta-feira e continuou esta sexta-feira no estado australiano da Nova Gales do Sul, insistiu não lhe parecer "relevante o uso" de grandes aviões cisterna como esse em Portugal.

"Não me parece que acrescente valor ou que acrescente eficácia à operação dos meios aéreos que têm sido utilizados em Portugal", mais pequenos e movidos a hélice, continuou aquele especialista que também presidiu à Escola Nacional de Bombeiros e à Liga dos Bombeiros Portugueses.​​​​​

Mário Macedo, oficial de Marinha na reforma que já comandou os Bombeiros Sapadores de Setúbal, considerou uma opção dessa natureza como discutível: se há vantagem no transporte de maior capacidade de água, essas aeronaves têm a desvantagem da "menor precisão" no seu lançamento por terem de operar "mais alto e com maior velocidade".

O oficial, que é vice-presidente do CEIPC, explicou que essa altitude e velocidade são inerentes ao uso dessas grandes aeronaves por "questões de segurança".

Acresce a necessidade, tendo capacidade de também transportarem bombeiros como é o caso do Boeing 737 agora ao serviço dos bombeiros da Nova Gales do Sul, de haver pistas com centenas de metros para projetar esses operacionais em locais próximos das zonas de fogo - a não ser que saltem de paraquedas nas proximidades, admitiu o militar na reforma.

E se essas pistas também são necessárias no caso de os aparelhos não terem capacidade anfíbia, como sucedia com os Hércules C-130 da Força Aérea no tempo em que estavam equipados com kits de combate aos fogos, a alternativa são "grandes planos de água para abastecer esses aviões", lembrou Duarte Caldeira.

Isso "já acontecia com o Beriev", um avião cisterna russo de grande capacidade que em 2016 esteve em Portugal, acrescentou Duarte Caldeira, o que permitiu ter consciência de que "há um número reduzido de espaços de água que são suscetíveis de ser usados" para o abastecimento de aeronaves como o Boeing 737.

"Estamos a falar de zonas de operação completamente diferentes", realçou ainda Duarte Caldeira.

E esses grandes tanques "vão reabastecer onde?", perguntou também Mário Macedo, realçando que os aviões a turbohélice "são mais baratos" de operar, "mais lentos e mais precisos" no lançamento de água e retardantes.

Mário Macedo evocou ainda o exemplo da Madeira, onde esses aparelhos "não conseguem operar porque não conseguem voar baixo para fazer descargas em segurança" e, como se verificou nos debates que se seguiram a grandes incêndios dos últimos anos, "nem todos os helicópteros" podem ser ali empregues.

Diário de Notícias
www.dn.pt