Filhos de pais separados: PGR propõe residência alternada como regime privilegiado

Procuradoria-Geral da República recusa os termos da petição entregue em julho no Parlamento, que defende a residência alternada dos filhos de pais separados como regime regra. Mas não fica longe: propõe inscrever esta alternativa na lei, e com estatuto de primeira opção

A Procuradoria-Geral da República (PGR) considera que a residência alternada de filhos de pais separados deve ficar expressamente prevista na lei portuguesa, e propõe mesmo que o Código Civil passe a incluir uma nova alínea, estabelecendo que "o tribunal privilegiará a residência alternada do filho com cada um dos progenitores, independentemente de acordo e sempre que, ponderadas todas as circunstâncias relevantes atendíveis, tal corresponda ao superior interesse daquele".

Uma formulação que vem na "linha da recomendação" do Conselho da Europa (ponto 5 da Resolução 2079), que solicita aos Estados-membros que assumam o princípio da residência alternada no seu ordenamento jurídico, limitando as exceções a "casos de negligência, abuso ou violência doméstica".

A posição é assumida pela PGR num parecer enviado à Assembleia da República, pedido pelos deputados na sequência da entrega de uma petição, com 4169 assinaturas, que defende uma alteração legislativa com vista a "estabelecer a presunção jurídica da residência alternada para crianças de pais e mães separados ou divorciados". O documento, promovido pela Associação Portuguesa para a Igualdade Parental e Defesa dos Direitos dos Filhos provocou polémica, dando origem a uma carta aberta subscrita por 27 associações e dirigida a todos os grupos parlamentares, defendendo que o Parlamento não deve impor a residência alternada como regra, devendo as famílias ter liberdade de escolha. A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), Associação Portuguesa de Mulheres Juristas, Associação de Mulheres Contra a Violência ou a Capazes, foram algumas das entidades que se manifestaram contra.

O regime de residência alternada prevê que os filhos vivam com os dois pais, habitualmente passando uma semana em casa de um, outra em casa de outro

Mesmo defendendo que a residência alternada deve ser considerada pelos tribunais, até como primeira opção, a PGR também não se mostra favorável à instituição desta solução como regime regra, sublinhando que a avaliação deve ser sempre feita caso a caso. "Não se antolhe necessidade, nem sequer vantagem, na introdução no ordenamento jurídico vigente da pretendida alteração, elevando cegamente a fixação da residência alternada à categoria de regime-regra". Para a Procuradoria - liderada, até ontem, por Joana Marques Vidal - uma tal alteração "poderia introduzir inusitada turbulência no relacionamento entre os progenitores e outros familiares e entre aqueles e os filhos pela imposição de um regime que, não correspondendo ao tradicionalmente adotado na sociedade portuguesa, não parece ainda corresponder no presente a um anseio generalizado". "Emitimos, consequentemente, parecer divergente da solução proposta no texto da petição em análise", conclui o parecer.

Mas se não adota a proposta da petição - que sugere uma alteração muito significativa do artigo 1906 do Código Civil, que regula o "exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento" - a PGR admite a "valia de uma alteração legislativa", na linha de recomendações do Conselho da Europa. Um ajustamento que "decorre essencialmente da falta de referência expressa, no texto legal, à residência alternada e da circunstância de a jurisprudência dos nossos tribunais, designadamente dos tribunais superiores, mostrar constituir ainda regra a fixação de uma residência única, em detrimento do regime de residência alternada, ainda que paulatinamente pareça assistir-se a uma inversão desta tendência".

"A residência alternada pode ser mais benéfica para a criança, mas não o é necessariamente", invoca a PGR. Assim sendo, "impõe-se uma aferição casuística que, alicerçada no conhecimento da circunstância de vida da criança e, sendo o caso, da sua opinião (desde que com maturidade bastante), permita consistentemente concluir ou pela adequação da residência alternada ou pela residência única, pela constatação de incontornáveis contraindicações ao acolhimento de um tal regime".

O que é a residência alternada?

O regime de residência alternada prevê que os filhos vivam com os dois pais, habitualmente passando uma semana em casa de um, outra em casa de outro. Os períodos em cada uma das casas não têm que ser estritamente proporcionais - podem ir de 33% a 50% do tempo. Um dos grandes argumentos a favor desta solução é que permite que as crianças ou jovens mantenham a vivência com ambos os progenitores - e vários estudos já apontaram que isto é benéfico para os filhos. Em sentido contrário, é apontada a instabilidade na vida das crianças, bem como a dificuldade de implementação deste regime num cenário de conflitualidade entre os pais.

Como é sublinhado no parecer da PGR, o Código Civil português não faz referência expressa à residência alternada. A lei determina que "as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores", mas é menos clara quanto à residência da criança. "O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro", refere o Código Civil. Toda a formulação da lei aponta para um cenário de habitação com um dos progenitores: "O exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente, ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente".

Para Jorge Pinheiro, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e especialista em Direito da Família, a alteração proposta pela PGR significa expressar "pela primeira vez na lei a residência alternada, tornando-a numa possibilidade de mais fácil aplicação", colocando este regime "ao mesmo nível, até a um nível privilegiado" relativamente à hipótese de coabitação apenas com um dos pais. "Dá uma dignidade diferente à residência alternada", diz Jorge Pinheiro, sublinhando que o atual quadro legal admite mais possibilidades, além da guarda atribuída a um dos progenitores, mas nem chega a nomear quais. E não tem dúvidas de que as possibilidades que estão expressas na lei são aquelas a que vão recorrer quer os pais, em primeira instância, quer os tribunais.

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