Existiu "alta corrupção" nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo

Presidente da comissão liquidatária da Empordef, <em>holding</em> das indústrias de Defesa, garantiu no Parlamento haver muitas situações do foro criminal na extinta empresa de Viana.
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O economista João Pedro Martins declarou nesta quarta-feira, no Parlamento, que existiu "alta corrupção" na extinta empresa pública Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC) e "muitas situações" de natureza criminal que não quis referir.

O presidente da comissão liquidatária da Empordef, a holding do Estado nas indústrias de Defesa, falava perante a comissão parlamentar de Defesa e a requerimento do BE - numa audição em que esteve apenas um deputado do PSD para defender a decisão tomada pelo então ministro da Defesa social-democrata João Pedro Aguiar-Branco de extinguir a Empordef com base em "argumentos falsos e mentiras técnicas".

"Foi alta corrupção e vou ficar por aqui", assegurou João Pedro Martins, "foram muitas, muitas, do passado e do presente muito recente".

O responsável da Empordef adiantou estar para breve o fecho definitivo da holding, que o DN soube estar agendada para a primeira semana de abril e porque o gabinete de João Gomes Cravinho já preparou o respetivo diploma legal. Certo é que a holding dá dinheiro ao Estado - tem 13 milhões em caixa - e tem um saldo positivo entre ativos e passivos, argumentou João Pedro Martins, deixando claro que a sua extinção traduz opções políticas e não o resultado das contas da Empordef.

"O Estado vai ficar com ativos superiores ao passivo e depois fará o que entender. A minha função é apresentar contas com transparência, verdade e rigor", observou o economista.

Especialista nas áreas da luta contra a corrupção, crime organizado ou offshores, João Pedro Martins revelou que "alguém mandou duplicar o valor do registo contabilístico dos auxílios de Estado" nos ENVC durante o governo PSD-CDS - pelo menos na casa dos 300 milhões de euros e que correspondia a uma "vantagem indevida" nos números do capital social daquela empresa.

"Obedeço à lei, não a funcionários públicos"

"À justiça o que é da justiça", observou João Pedro Martins, recusando identificar o organismo ou o responsável pela decisão que ele reverteu para fazer "o que tinha" de ser feito: reduzir o capital social dos Estaleiros de Viana para repor a situação, levando a diminuir o capital social dos ENVC.

"Não obedeço a funcionários públicos mas à lei e à jurisprudência do Tribunal de Justiça da UE e à doutrina as comunicações da Comissão Europeia", assegurou João Pedro Martins, que noutro momento deixou um recado implícito mas claro para o Ministério da Defesa: "Não tenho dono nem trela, digo o que é da minha consciência e no momento que entendo", pelo que "em momento algum farei algo que a minha consciência diga para não fazer."

João Pedro Martins foi empossado em setembro de 2017 para liquidar a Empordef, mas, disse aos deputados, a principal missão que lhe foi atribuída visava "resolver o problema político" dos Estaleiros de Viana, que então apresentava contas negativas de 780 milhões de euros mas que depois fechou com apenas 424 milhões de euros negativos.

Apesar da insistência dos deputados, João Pedro Martins não identificou o organismo ou o responsável por essa operação. Mas ficou claro para vários deputados que a origem esteve na Direção-Geral do Tesouro e Finanças.

João Pedro Martins adiantou, ainda relativamente às Finanças, que a Inspeção-Geral lhe disse a "não ter meios" quando pediu a realização de uma auditoria às contas dos ENVC.

Casos estranhos

Ficou igualmente implícito que reside nas Finanças "a entidade pública" que não deu qualquer resposta aos muitos pedidos da Empordef para resolver o problema - dando o parecer legalmente exigido - das vivendas situadas na principal avenida de Alverca e que, se ruírem no próximo inverno devido ao estado de conservação a que já chegaram, vão exigir custos adicionais de reparação para o Estado, indicou João Pedro Martins.

"Houve manifestações de interesse, propostas firmes", o atual presidente da Câmara de Vila Franca de Xira e a antecessora, Maria da Luz Rosinha, que agora integra a comissão de Defesa, têm querido resolver o assunto e valorizar uma área central de Alverca, mas "continuo à espera de resposta", constatou João Pedro Martins.

A este propósito, aliás, o responsável da Empordef disse que a reavaliação que mandou fazer àquele património para efeitos de pagamento do IMI vai permitir que a autarquia de Vila Franca de Xira passe a receber cerca de 200 mil euros em vez dos dez mil que até agora entravam nos seus cofres.

Outra alteração que fez disse respeito à classificação dos terrenos da OGMA: deixaram de estar identificados "e mal" como "propriedade de investimento" para serem considerados como "um ativo fixo tangível" em função da sua importância estratégica.

Outra situação aparentemente improvável relatada pelo presidente da comissão liquidatária da Empordef - cujas palavras foram algumas vezes apresentadas pelo deputado do PSD como querendo dizer o oposto do que fora afirmado - foi a da avaliação a uns paióis da holding na Quinta do Mocho: dois avaliadores independentes, em momentos diferentes, concluíram que o valor desse património público correspondia precisamente a menos 72 mil euros que o da avaliação feita pelas Finanças.

João Pedro Martins revelou ainda ter estado reunido no final de janeiro com responsáveis da petrolífera estatal da Venezuela, PDVSA, resolvendo de vez uma "história muito mal contada onde o Estado não gastou nem mais um cêntimo mas alguém queria que se gastasse" no governo anterior.

Ficou claro que os ENVC não deviam nada à PDVSA por causa do não concretizado contrato de construção de dois navios asfalteiros, para a qual a petrolífera tinha pago um adiantamento de quase 13 milhões de euros aos estaleiros.

No final da audição, João Pedro Martins explicou ao DN que os trabalhos desenvolvidos pelos ENVC - como as "centenas de horas" de elaboração do projeto ou materiais adquiridos - "eram superiores" ao montante que a PDVSA adiantou e mais os custos em que a petrolífera teria de incorrer para fretar outros navios se houvesse atrasos na entrega dos asfalteiros (até um certo prazo).

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