Eleições: Eleitores portugueses ainda "votam com a carteira"

A democracia e sistema eleitoral em Portugal dão sinais de grande estabilidade, comparando com Grécia ou Itália, e há muitos eleitores portugueses que continuam a "votar com a carteira".
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A conclusão pode ser retirada de um estudo, da autoria de Marco Lisi, licenciado em ciências políticas na Universidade de Florença, hoje professor auxiliar do Departamento de Estudos Políticos da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e investigador do ICS, que resultou na publicação do livro "Eleições: Campanhas eleitorais e decisão de voto em Portugal", editado em julho (Edições Sílabo) e tem por base os resultados dos inquéritos pós-eleitorais feitos pelo Instituto de Ciências Sociais (ICS).

Em declarações à Lusa, Marco Lisi sublinha que o comportamento do eleitor português está muito marcado, além de fatores ideológicos e sócio-económicos, pelo que se chama de "fatores de curto prazo" -- a imagem dos líderes partidários, ou os temas de campanha, onde a economia, ou "votar com a carteira", tem ainda muito peso.

Nas eleições legislativas de 2002, a principal preocupação dos eleitores inquiridos nos estudos era a instabilidade económica, em 2005 e 2009 foi o desemprego, logo seguida da situação económica negativa, e em 2011 a crise em geral.

A importância do voto económico tem um episódio famoso que foi quando, na campanha de 1980 nas presidenciais norte-americanas, o republicano Ronald Reagan fez a pergunta, retórica, aos eleitores num debate com o democrata Jimmy Carter, se estavam melhor e se era mais fácil irem às compras do que há quatro anos. Reagan ganhou.

Olhando o comportamento eleitoral, Marco Lisi, em declarações à Lusa, anotou ainda algum peso do fator ideológico, no voto no PCP, por exemplo, mas os fatores decisivos são mesmo "os mais tradicionais", o estado da economia, os impostos, as políticas sociais.

Portugal, explicou, não foi "afetado" por novos temas, como a imigração, que "mudaram os equilíbrios partidários noutros países", como Itália ou Grécia, e em menor grau a Espanha, que fizeram surgir ou novos partidos ou crescer outros já existentes, pelo que há "uma estabilidade grande nos eleitorados".

Depois, uma das conclusões que o investigador confessou tê-lo surpreendido foi relativamente os indecisos, um grupo que pode decidir o resultado de eleições.

No livro, são caracterizados "pela combinação de elevados níveis de educação e, ao mesmo tempo, traços de desafeição, como o fraco interesse pela política", a par de características mais gerais, como apatia, distância da esfera política e menor participação. Marco Lisi admite ter ficado surpreendido com duas conclusões do trabalho que fez.

Por um lado, aponta o que parecer ser "um paradoxo" pelo facto de existir "um eleitorado que parece estar muito dependente da imagem dos líderes ou dos temas de campanha" e, ao mesmo tempo, "haver uma grande estabilidade nas opções de voto" dos portugueses.

"Houve uma grande estabilidade da oferta partidária. A combinação da importância das campanhas, os fatores de curto prazo com essa estabilidade eleitoral" torna Portugal num "caso único" no contexto europeu, disse.

Outro fenómeno que surpreendeu o investigador foi o eleitorado indeciso, "muito crítico dos partidos tradicionais" e a incapacidade dos partidos, "novos e velhos", de "trazer de volta ou mobilizar" eleitores, que "não votam por acharem que não vale a pena voltar a votar". E dá o caso de Emmanuel Mácron, em França, ou de Barack Obama, nos Estados Unidos, que conseguiram mobilizar eleitores.

Campanhas ainda decisivas para um terço dos eleitores

Os partidos fazem milhares de quilómetros pelo país e gastam milhões de euros nas campanhas eleitorais, que continuam a ser decisivas para cerca de um terço dos eleitores.

Um mês antes das eleições de outubro de 2015, a grande maioria dos eleitores inquiridos (70%) já tinha decidido o seu sentido de voto, 10% decide no mês antes da ida às urnas, enquanto menos de 20% restantes afirmaram que só o fizeram na semana anterior à votação, durante a campanha eleitoral.

A obra de Marco Lisi apresenta um quadro sobre a evolução da indecisão eleitoral em Portugal, de 2002 a 2015, e, em média, 71% dos inquiridos responderam ter decidido mais de um mês antes das eleições e 9,8% no mês antes, enquanto 7,9% disseram ter tomado a decisão na semana antes.

Uma percentagem menor, 3,7%, respondeu que só decidiu como votar na véspera e 7,5% admitiu até que só tomou a decisão no dia das eleições. Em média, lê-se no livro, "cerca de 70% dos eleitores mostra-se resoluto", ou seja, que tomou "a sua decisão mais de um mês antes do dia eleitoral", "cerca de 10% parece tomar a sua decisão no mês que antecede a eleição enquanto os restantes 20% decide na semana antes das eleições".

Dois casos citados são quando "a competição entre os dois principais partidos é muito elevada" ou, como pode acontecer com as próximas eleições, "uma pequena percentagem de eleitores decidir se há uma maioria absoluta de um partido".

"Nesses casos, é claro que a campanha vai fazer a diferença", afirmou.

E como é que os eleitores se informam para tomar uma decisão nos casos em que o sentido de voto é definido com muita antecedência? A televisão continua a ser o "media" preferido para os eleitores se informarem, a avaliar pelas respostas dos inquiridos nos estudos do ICS, de 2002 a 2015.

Em média, 76,6% responderam que recebem notícias políticas uma vez ou mais por semana, mais do que os dizem informar-se, 38,9%, através dos jornais. Para 26% dos inquiridos as notícias políticas chegam pelas rádios e para 7,8% pela Internet.

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