Segurança Social e reforma do sistema político afastam Rio e Costa

Os principais responsáveis das seis formações com assento parlamentar - PSD, PS, BE, CDS, CDU e PAN - confrontaram hoje ideias no primeiro debate a seis. Segurança Social e reforma do sistema político afastaram líderes do PS e do PSD. Rui Rio diz que "violação do segredo de justiça deve aplicar-se a todos os portugueses".
Publicado a
Atualizado a

Foi o primeiro debate a seis, muito mais explicativo que truculento, com Costa e Rio a assinalarem divergências claras em dois dos três temas de fundo que estiveram em discussão. Não houve ataques entre os partidos da "geringonça", com Jerónimo de Sousa a destacar as propostas do partido e Catarina Martins a visar novamente o PAN na questão da Segurança Social. De Rui Rio ficam as frases mais polémicas, novamente sobre a Justiça, com o líder do PSD a defender que tem de existir criminalização das violações ao segredo de Justiça. E o debate acabou, claro, com uma picardia entre Assunção Cristas e António Costa.

Foi o tema da Segurança Social a abrir o debate, com André Silva a ser novamente questionado sobre a proposta de impor um teto às pensões, impedindo o pagamento de valores acima dos 5200 euros. O deputado do PAN defendeu que esta é uma medida que "vem reforçar os mecanismos de redistribuição".

Neste ponto, Rui Rio e António Costa concordaram que é preciso diversificar as fontes de financiamento da Segurança Social, mas a concordância acabou aí. Para o líder do PSD o financiamento do sistema público de pensões "não pode repousar exclusivamente sobre o trabalho", admitindo taxar "o valor acrescentado das empresas".

Costa contrapôs que essa diversificação já está a ser feita, nomeadamente com a afetação ao Fundo de Estabilização da Segurança Social do chamado "imposto Mortágua" e defendeu que a taxação deve ser feita sobre o IRC e não sobre o valor acrescentado líquido das empresas, que "pode não se traduzir em lucro".

Costa diria ainda que a Segurança Social tem estabilidade garantida nos próximos 22 anos, o que seria contrariado por Rio, que invocou a evolução demográfica para defender que esta estabilidade é conjuntural.

Já Assunção Cristas foi rápida a contrariar Rio: "Reforçar encargos sobre as empresas não é um caminho. Temos que libertar as empresas".

Catarina Martins voltou à proposta do PAN (o tema que dominou o debate a dois entre ambos) para afirmar que o plafonamento - também admitido por Rui Rio - é uma ideia "perigosa": "O PAN vem com uma ideia que parece simpática, mas não há plafonamento no pagamento se não houver plafonamento na contribuição que a pessoa faz".

Rui Rio deixou também a proposta de que as pessoas possam optar por trabalhar menos nos últimos anos antes da reforma, prolongando depois os anos que se mantém no ativo. Uma ideia recusada por Jerónimo de Sousa, que lembrou que o PCP defende a reforma aos 65 anos, e que recusou propostas que se traduzam na "privatização" da Segurança Social, criando assim um criando um sistema de pensões "para os pobrezinhos".

Costa quer comissão para determinar o vencimento dos políticos

A reforma do sistema eleitoral e político foi outros dos grandes temas do debate, mesmo com António Costa e Assunção Cristas a argumentarem que esta não é uma questão prioritária e que os portugueses têm outras prioridades.

Com Rio a defender a redução de deputados - "230 deputados são demais, não se pode é reduzir para 150" - Costa não mostrou qualquer abertura a esta alteração: "Se a reforma do PSD é reduzir o número de deputados, não estou disponível". "Não se tratam assuntos constitucionais como se fosse uma conversa de café", disse ainda o primeiro-ministro e líder do PS que, mais à frente, questionado sobre se defende o aumento do vencimento dos políticos, defendeu a criação de uma comissão de vencimentos que venha a definir uma tabela a aplicar daqui a oito anos - ou seja, um projeto para três legislaturas. Reação de Jerónimo de Sousa: "É uma proposta de grande fôlego. Até poderíamos dizer que lá para o dia de são nunca à tarde talvez aconteça".

O facto de o sistema eleitoral não contabilizar o voto de cerca de 500 mil eleitores (nos círculos mais pequenos, onde os votos dos partidos que não elegem não tem tradução eleitoral) foi uma questão levantada primeiro por Jerónimo de Sousa e depois por André Silva. Já a criação de círculos uninominais colocou do mesmo lado BE, PCP e PAN (e teria colocado também o CDS, que é contra, mas Assunção Cristas respondeu a este tema defendendo que "há muito mais vida para lá do Estado, do sistema eleitoral e do sistema político").

A reforma do sistema político provocaria o primeiro momento de maior controvérsia no debate, com Rui Rio a reagir indignado à acusação de Catarina Martins de que os "partidos maioritários" foram cooptados pelo poder económico. "Eu, feito com os interesses do poder económico!? Nem com o poder económico, nem com nenhum. Comigo podem estar completamente seguros. Isto é das principais coisas que me move", afirmou um indignado líder do PSD, acrescentando que há valores do 25 de abril que estão hoje "abandalhados".

Rui Rio. "A violação do segredo de justiça tem de ser aplicada a todos os portugueses"

O combate à corrupção também mostrou divisões entre os partidos (mas com o PS e o PSD a convergir que o problema não se resolve com mais leis), com António Costa e Assunção Cristas a entrarem num debate azedo sobre responsabilidades na falta de meios da PJ e do Ministério Público. "Está a acusar-me de alguma coisa?", questionou o líder socialista, sem esconder a irritação, depois de Cristas ter apontado baterias à falta de meios de investigação, uma situação que diz por em causa o direito democrático. "Mas tem alguma coisa concreta a acusar? É que insinuações nessa matéria não posso permitir", contrapôs o líder socialista.

Cristas também se disse "surpreendida" por Costa defender agora "o que não fez durante quatro anos". A líder centrista defendeu ainda que uma das condições "para garantir" o combate à corrupção é o Ministério Público "não ter interferências por parte do poder político". Costa respondeu que não deveria estar a falar do PS, mas do PSD.

Delação premiada, tribunais especializados e regime de proteção dos denunciantes foram temas que atravessaram o debate, com Jerónimo de Sousa a sublinhar "muita resistência" à ideia de delação premiada, no que foi acompanhado pela generalidade dos partidos.

Já Catarina Martins defendeu a proposta do BE que visa criminalizar o enriquecimento injustificado, defendendo que, quando um titular de um cargo político tem uma fortuna "que é incapaz de justificar, esse património deve ser confiscado a 100% pelo Estado". Jerónimo de Sousa manifestou concordância, antes de referir também o problema da falta de meios.

Na sequência, Rui Rio sustentou que a inversão do ónus da prova é inconstitucional e avançou outras soluções de combate à corrupção: "Resolvo o problema fazendo, em primeiro lugar, o julgamento nos sítios certos: nos tribunais e não nos jornais. E sem fugas de informação ao segredo de justiça".

"A violação do segredo de justiça é uma lei que tem de ser aplicada a todos os portugueses", diria ainda Rio, antes de acrescentar: "Se pego em algo que não devo saber, toco à porta do vizinho e lhe mostro, pratico um crime, como pratica um crime alguém que mostra informações que não devia ter a 10 milhões de pessoas". Questionado sobre se se referia aos jornalistas, Rio disse que sim - "Tenho consciência clara de que o que estou a dizer não é minimamente politicamente correto".

Já com o debate a terminar, Catarina Martins ainda se referiu às palavras de Rio:"Limitar a liberdade da imprensa é atacar a democracia".

A carne, a canábis e as touradas

Já na parte final do debate os seis líderes partidários foram questionados sobre temas isolados:

António Costa, sobre acabar com a carne nos jantares oficiais: "A regra é que todos os jantares oficiais têm peixe porque temos o melhor peixe do mundo".

Rui Rio, sobre a despenalização da canábis para fins recreativos: "Não".

Assunção Cristas, sobre baixar a idade de voto para os 16 anos: "Não. Os 18 anos, a maioridade, é o momento certo".

Jerónimo de Sousa, sobre o fim das touradas: "Respeito a História, a vivência e a cultura".

Catarina Martins, sobre se fica surpreendida com a decisão da Universidade de Coimbra de não servir carne de vaca: "Não. Quando lá andei a carne de vaca já não fazia parte do menu social".

André Silva, sobre se concorda com a revisão do acordo ortográfico: "Sim".

Veja as frases do debate, que abre com o tema da Segurança Social:

André Silva

"Devemos continuar a defender e reforçar o sistema que temos e que o Estado deve ter um teto máximo de pagamento de pensões. Temos um problema ao nível da sustentabilidade da Segurança Social, esta medida [imposição de um teto de 5200 euros às pensões] vem reforçar os mecanismos de redistribuição".

Rui Rio

"O financiamento da Segurança Social "não pode repousar exclusivamente sobre o trabalho"

"Temos de taxar os vencimentos mas também outros valores, como o valor acrescentado das empresas"

"No quadro do envelhecimento ativo, podemos ter a possibilidade de reduzir o horário de trabalho reformando-se mais tarde"

Catarina Martins

"Há aqui ideias aqui que são perigosas"

"O PAN vem com uma ideia que parece simpática, mas não há plafonamento no pagamento se não houver plafonamento na contribuição que a pessoa faz".

Assunção Cristas

"Reforçar encargos sobre as empresas não é um caminho. Temos que libertar as empresas".

"Ajuda às pensões que as pessoas possam ter um rendimento para a sua vida de reformado mais próximo do rendimento da sua vida ativa".

Jerónimo de Sousa

"Isto tem sido recorrente [as propostas da direita], sempre com o mesmo objetivo: a privatização de segmentos da Segurança Social".

"O objetivo é retirar os descontos mais altos e reduzir a Segurança Social a uma Segurança Social para os pobrezinhos".

"Enquanto os salários forem baixos, existirão sempre pensões baixas".

António Costa

"O mais importante em relação à Segurança Social é a confiança".

"Desenvolvemos mecanismos para diversificar as fontes de financiamento da Segurança Social e adiámos em 22 anos a necessidade de recorrer ao fundo".

Rui Rio

"O sistema não está seguro por 22 anos".

O debate segue agora para a reforma do sistema político:

Rui Rio

"A reforma dos sistema político é absolutamente vital para o regime democrático".

"230 deputados são demais, não se pode é reduzir para 150".

"Não podemos fazer uma redução muito grande. Mas há margem para reduzir número de deputados".

António Costa

"Se a reforma do PSD é reduzir o número de deputados, não estou disponível".

"Não se tratam assuntos constitucionais como se fosse uma conversa de café".

Jerónimo de Sousa

"Há cidadãos que votam numa força política e nunca veem a eleição do seu candidato".

"Uma força que tenha 20% em Portalegre não elege ninguém".

"Aproveito para anunciar uma proposta que vamos fazer. Para formar um partido político são precisos 7500 assinaturas. Uma iniciativa legislativa de um grupo de cidadãos tem que ter 25 mil assinaturas. Há aqui algo de errado"

André Silva

"Estamos genericamente contra as propostas do PS e do PSD. Círculos uninominais servem para termos um sistema de bipartidarismo"

"Temos em Portugal cidadãos de primeira e cidadãos de segunda. Nas últimas legislativas 500 mil votos não serviram para eleger deputados"

"Pretendemos reduzir 22 círculos para nove círculos"

Catarina Martins

"Estes sistemas [de círculos uninominais"] deterioram a democracia"

"As pessoas não se sentem representadas porque os partidos maioritários são partidos cooptados pelo poder económico"

Assunção Cristas

"Há muito mais vida para lá do Estado, do sistema eleitoral e do sistema político"

"Não temos nenhum problema de promiscuidade"

António Costa

"Este não é um tema prioritário. Mas eu respondo ao que me perguntam"

Rui Rio

"Eu comecei [na política] antes do 25 de abril. Comecei por valores que hoje estão abandalhados, a democracia, a liberdade"

"Eu, feito com os interesses do poder económico!? Nem com o poder económico, nem com nenhum. Comigo podem estar completamente seguros. Isto é das principais coisas que me move"

André Silva

"Não concordo com Assunção Cristas e António Costa que este assunto não é importante. Há meio milhão de pessoas que, em todas as eleições, não veem o seu voto traduzido num mandato. Entre outras questões, há que repensar o sistema eleitoral"

"Somos favoráveis ao descongelamento dos 5% de corte [que ainda incidem sobre os salários dos políticos]"

António Costa

"Todo o país tem um problema de vencimentos. Os políticos fariam mal em preocupar-se com o aumento de salários dos políticos num quadro em que não haja uma recuperação"

"Podemos resolver o problema [do salário dos políticos] em três legislaturas. [Criando] uma comissão de vencimentos numa primeira legislatura, na segunda esta comissão faria uma tabela de vencimentos, que seria aplicada na terceira legislatura"

Jerónimo de Sousa

"É uma proposta [a do PS] de grande fôlego. Até poderíamos dizer que lá para o dia de são nunca à tarde talvez aconteça".

"Temos de olhar para os salários que temos [no país]".

"Às vezes até há pessoas que me chamam parvo ou não acreditam quando digo que continuo com salário de metalúrgico".

O debate passa agora para um terceiro tema, o combate à corrupção:

Catarina Martins

"Quando um titular de cargo político tem uma fortuna que é incapaz de justificar, esse dinheiro deve ser confiscado a 100% pelo Estado".

António Costa

"Há a tentação de legislar como se não houvesse já leis suficientes".

Rui Rio

"Se um titular de um cargo público, quando chega a um cargo, tem 100 e sai de lá com 528, obviamente que essa diferença tem de ser investigada, mas no quadro criminal que já existe"

"Resolvo o problema da corrupção, em primeiro lugar fazendo os julgamentos nos sítios certos: nos tribunais e não nos jornais"

"O combate à corrupção não compete aos políticos, compete ao Ministério Público e aos tribunais. A nós compete-nos dar-lhes os instrumentos necessários ao seu trabalho"

Jerónimo de Sousa

"Sem ovos não se faz omeletes. "Sem reforço dos meios de investigação é dificil acabar com a corrupção".

Assunção Cristas

"Lamento que o PS só tenha despertado para o lobby na última sessão legislativa, quando o CDS apresentou uma proposta logo na primeira"

"É preciso melhorar a figura do arrependido. É preciso criar a figura do denunciante, mas não é para quem praticou crimes, é para quem não praticou"

António Costa

"O primeiro problema [para atacar a corrupção] é prevenir"

"As taxas de decisão favoráveis ao Ministério Público nos tribunais têm sido muito inferiores ao expectável".

Rui Rio

"A violação do segredo de justiça é uma lei que tem de ser aplicada a todos os portugueses".

"Se pego em algo que não devo saber, toco à porta do vizinho e lhe mostro, pratico um crime, como pratica um crime alguém que mostra informações que não devia ter a 10 milhões de pessoas".

"Se eu violo o segredo de justiça porque pego em algo que não posso saber e toco à porta do vizinho e lhe mostro isso consiste num crime. Se eu mostrar a 10 milhões de portugueses o crime é 10 milhões de vezes maior"

"Tenho consciência clara de que o que estou a dizer não é minimamente politicamente correto"

Assunção Cristas

"Quanto aos tribunais especializados somos completamente contra. Isso é próprio de regimes totalitários"

Jerónimo de Sousa

"Tenho muita resistência à delação premiada"

André Silva

"Não defendemos a delação premiada. Estamos a dizer que é preciso melhorar o regime de denunciantes"

Catarina Martins

"Ouvi aqui algumas coisas entre o grave e o inútil".

"Não se deve perseguir jornalistas para combater falhas do Ministério Público".

"A delação premiada destrói democracias".

"Há uma necessidade absoluta de articular os processos de direito da Família com as decisões criminais. Há decisões contraditórias entre a parte penal e a parte da família"

A terminar uma pergunta isolada a cada candidato:

Para Costa, sobre acabar com a carne nos jantares oficiais: "A regra é que todos os jantares oficiais têm peixe porque temos o melhor peixe do mundo".

Para Rio, sobre a despenalização da canábis para fins recreativos: "Não".

Para Assunção, sobre baixar a idade de voto para os 16 anos: "Não. Os 18 anos, a maioridade, é o momento certo".

Para Jerónimo, sobre o fim das touradas: "Respeito a História, a vivência e a cultura".

Para Catarina Martins, sobre se fica surpreendida com a decisão da Universidade de Coimbra de não servir carne de vaca: "Não. Quando lá andei a carne de vaca já não fazia parte do menu social".

Para André Silva, sobre se concorda com a revisão do acordo ortográfico: "Sim".

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt