Bloco. 20 anos depois, três famílias que conseguiram ser uma só

Catarina Martins disse que nunca teria estado em nenhum dos três projetos políticos que estão na origem do BE. O bloco que juntou fragmentos de uma esquerda que não tinha partido em que votar é hoje um partido com uma geografia própria.
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O bloco que juntou muitos fragmentos de uma esquerda que não tinha partido em que votar é hoje, 20 anos depois da fundação do Bloco de Esquerda, um partido com uma geografia própria sem nunca negar as diferentes identidades que o compuseram.

A coordenadora do BE, Catarina Martins, sublinhou que nunca teria estado em nenhum dos três projetos políticos que estão na sua origem, o Partido Socialista Revolucionário (PSR), a Política XXI (que nasce da alteração de denominação do MDP/CDE, que se junta à associação política com este nome) e a União Democrática Popular (UDP), que entretanto se extinguiram.

"Eu não seria parte de nenhum dos partidos que deram origem ao Bloco e o Bloco é o meu espaço político desde sempre", explicou-se Catarina Martins, numa entrevista à Lusa.

É isso que faz a marca distintiva do partido, 20 anos depois: antes, havia uma lógica de cada um por si, em que as diferenças se faziam criando um novo partido. Em 1999, no dia 28 de fevereiro, Fernando Rosas, Francisco Louçã, Luís Fazenda e Miguel Portas traduziram por fim horas de conversas e não se limitaram a uma mera junção de nomes e siglas.

Da amálgama de experiências cruzadas faz-se ainda hoje o Bloco de Esquerda: olhando para o seu Secretariado, o órgão que coordena as tarefas executivas do partido, e o grupo parlamentar bloquista há uma predominância de gente que tem a UDP como referência, mas mesmo aí nada é preto no branco.

O deputado José Manuel Pureza constata que, hoje, "o Bloco já é uma coisa que vai para lá" de todos os "fragmentos" (e esta expressão é sua) que se juntaram em 1999. "Há gente que tem uma referência e continua a estar enquadrada, alinhada, com a tendência que vem da velha UDP, embora já não represente essa UDP porque eles próprios tiveram divisões", explica, olhando para uma predominância de aderentes que têm um vínculo à UDP, seja Luís Fazenda, um dos fundadores, que foi deputado em cinco legislaturas pelo BE, seja Pedro Filipe Soares, o atual líder parlamentar, ou Joana Mortágua, que chegou a ser presidente da UDP quando esta já só era uma associação política.

É daí também que vêm Fabian Figueiredo, Isabel Pires, Luís Monteiro ou Moisés Ferreira, demasiado novos para conhecerem outra realidade partidária que não o Bloco de Esquerda. Da UDP, como partido, para além de Fazenda, há também os deputados Pedro Soares, João Vasconcelos ou Carlos Matias.

José Manuel Pureza andou em Coimbra pela Política XXI, juntamente com Marisa Matias, Miguel Cardina e José Gusmão, mas estava já afastado quando da fundação do BE. Adere ao Bloco em outubro de 1999 e é hoje vice-presidente da Assembleia da República.

Do PSR, há os nomes dos deputados Jorge Costa e Heitor de Sousa (que já vem da LCI, antes do 25 de Abril, que se funde em 1978 com o Partido Revolucionário dos Trabalhadores e dá origem ao PSR), mas também Adelino Fortunato e Dina Nunes, do Secretariado.

Depois há os militantes que são "bloco-bloco", cujo vínculo ao BE acontece sem a marca de qualquer das forças originais: Catarina Martins é o nome mais óbvio (eleita deputada como independente em 2009, só adere ao partido em 2010), mas também é assim com José Soeiro, que chega ao partido ainda miúdo; com Mariana Mortágua, que adere em 2009 vinda de uma associação juvenil que lutava pelos direitos LGBT e o feminismo; ou Sandra Cunha, que entra para o partido, meses depois da sua fundação, acabada de regressar de França, sem qualquer intervenção política em Portugal até então; e com Fernando Barbosa ou Maria Manuel Rolo, dois dos mais recentes rostos da bancada bloquista. A todos une um percurso muito empenhado em movimentos associativos, sindicais e sociais.

Esta gente sem qualquer vínculo anterior, analisa José Manuel Pureza, é "uma geração dirigente que tem o Bloco como referência e que não tem nada a ver com essas correntes fundadoras, quer em escala nacional, quer numa escala local".

Depois da saída de Francisco Louçã como coordenador do partido em 2012, que deixa uma coordenação bicéfala liderada por João Semedo e Catarina Martins, na convenção de 2014 a lista dos coordenadores empata com a de Pedro Filipe Soares. É "uma altura", aponta Pureza, em que há uma "capacidade de mobilização gerada a partir das correntes fundadoras" que "era uma coisa muito balcanizada".

Hoje não há "o mesmo significado e a mesma intensidade" desde dessa convenção, contextualiza o deputado, por causa da "aprendizagem que a malta foi tendo", "pela chegada ao Bloco em grande força ou pelo crescimento de uma geração que já não tinha nada a ver com as correntes".

As correntes não desapareceram, mas alteraram as suas identidades: o PSR deixou de ser PSR, a UDP tem várias tendências internas, a corrente ligada ao Manifesto - a que estiveram ligados Ana Drago e Daniel Oliveira, que saíram do partido - deixou de ter expressão como corrente organizada. "Há um ponto que é verdade: as correntes deixaram de ter a mesma omnipresença que tinham tradicionalmente", aponta Pureza, "por causa da malta que chega hoje ao Bloco pelo Bloco".

A frase de Catarina Martins, de que não estaria em nenhum dos partidos que deram origem ao BE, é confirmada por José Manuel Pureza: "É o que está a acontecer. E se olharmos para o eleitorado [bloquista] sente-se muito mais." De fora do partido, não são percetíveis as nuances entre uma Esquerda Alternativa, onde se inclui Luís Fazenda, ou a Via Esquerda, onde está Pedro Soares, ou a Rede Anticapitalista, que tem gente do PSR. "O eleitorado quer é saber do Bloco."

"Nós somos um partido político em que isto sempre foi entendido não como um defeito, mas como uma dinâmica própria: a génese da coisa foi juntar famílias diversas, não negando que elas existiam, mas criando uma dinâmica de articulação que permitisse a pouco e pouco ir superando isso, sem enjeitar isso", retrata Pureza. É o retrato de uma casa jovem de 20 anos. A idade adulta está aí.

O 20º aniversário do partido vai ser comemorado com um comício-festa em Lisboa, no próximo dia 9, onde os oradores serão os três fundadores vivos (Luís Fazenda, Francisco Louçã e Fernando Rosas), a cabeça-de-lista ao Parlamento Europeu, Marisa Matias, e a coordenadora do partido, Catarina Martins.

[notícia atualizada, corrigindo a informação sobre a deputada Sandra Cunha, que não teve qualquer vínculo à UDP, antes de chegar ao BE]

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