António Costa cede à esquerda na reforma do sistema eleitoral (e pouco mais)
A reforma do sistema eleitoral para a Assembleia da República, com a introdução de círculos uninominais, ficou pelo caminho. A proposta, que constava do programa eleitoral com que o PS se apresentou às eleições, não faz parte do programa do governo, que foi neste sábado aprovado em Conselho de Ministros e entregue na Assembleia da República.
O documento, que vai ser debatido no Parlamento na quarta e na quinta-feira, é em tudo semelhante ao programa eleitoral dos socialistas. A diferença mais expressiva é mesmo a retirada do parágrafo em que o PS prometia avançar para a criação de círculos uninominais - um sistema de eleição que é, desde sempre, fortemente contestado por bloquistas e comunistas, que consideram que esta é uma forma de reduzir a representatividade dos pequenos partidos na Assembleia da República. As garantias socialistas de que qualquer distorção seria corrigida pela existência de um círculo nacional, que contabilizaria todos os votos, estão muito longe de convencer comunistas e bloquistas.
Com esta cedência do PS à sua esquerda, a muito falada reforma do sistema eleitoral para a Assembleia da República - necessariamente objeto de um acordo entre PS e PSD, dado que tem de ser aprovada por uma maioria de dois terços dos deputados - volta a ficar adiada, repetindo o que já aconteceu em 2015, quando os socialistas também não inscreveram a promessa eleitoral no programa do governo, em resultado da assinatura dos acordos que deram origem à geringonça.
António Costa dá, assim, um sinal de aproximação, numa matéria que é muito relevante para os partidos mais pequenos. Outra alteração do texto em relação ao programa do PS é a introdução de uma alínea - um claro piscar de olho ao PAN - em que o executivo promete "elevar a idade mínima para espetáculos tauromáquicos".
Em relação ao que estava no programa do PS, são antecipadas as metas para o encerramento ou para a reconversão das centrais termoelétricas do Pego (prevista até 2023) e de Sines (entre 2025 e 2030), e que passam agora para 2021 e 2023, respetivamente, datas que já foram anunciadas na manhã de sábado pelo primeiro-ministro e que vão ao encontro do que tem sido defendido quer pelo BE quer pelo PAN.
Na Saúde e na Educação, o governo mantém, sem qualquer alteração, o que foram as promessas do PS antes das eleições, não eliminando nem acrescentando qualquer medida. Mantém-se o compromisso "de não fazer nenhuma nova parceria público-privada na gestão clínica" de hospitais onde ela não exista. O que não impede que as atuais possam continuar - uma exigência do Bloco e do PCP que, na última legislatura, quase inviabilizou a aprovação à esquerda de uma nova Lei de Bases da Saúde.
Para os próximos quatro anos, o governo promete "alargar a cobertura de medicina dentária no Serviço Nacional de Saúde, nomeadamente através dos centros de saúde"; eliminar - faseadamente - o pagamento de taxas moderadoras nos cuidados de saúde primários; criar um vale de pagamento de óculos a todas as crianças e jovens até aos 18 anos (e a idosos beneficiários do rendimento social de inserção), desde que prescritos em consultas do SNS.
O governo diz também querer generalizar os "cuidados de saúde oral e visual, de psicologia e de nutrição e os meios de diagnóstico" e disponibilizar outras especialidades nos cuidados de saúde primários (ou seja, nos centros de saúde), como ginecologia ou pediatria. Mantém-se também a promessa de "garantir uma equipa de saúde familiar a todos os portugueses", tal como o alargamento da "cobertura do cheque dentista a todas as crianças entre os 2 e os 6 anos".
Na Educação, o novo executivo diz querer reforçar a autonomia das escolas, permitindo, por exemplo, que estas decidam "o número de alunos por turma".
Nos transportes, o programa do governo também segue integralmente o caderno eleitoral do PS, prometendo que não haverá mexidas no preço dos passes.
O executivo promete também definir um mecanismo de financiamento do Programa de Apoio à Redução do Tarifário nos Transportes Públicos (PART). "assente numa nova receita própria das áreas metropolitanas e comunidades intermunicipais", mas sem especificar a origem desta receita.
O executivo quer também reformar a configuração institucional do setor dos transportes públicos, atribuindo às áreas metropolitanas de Lisboa e Porto e às comunidades intermunicipais no resto do país a autoridade sobre todos os meios de transporte coletivo, com exceção da ferrovia nacional. A propriedade das empresas operadoras de transporte coletivo deverá, aliás, ser transferida - total ou parcialmente - para as áreas metropolitanas/comunidades intermunicipais.
No programa de Governo fica consagrada a criação de um complemento-creche, a atribuir "a todos os portugueses que tenham filhos" - e desde que tenham mais de dois. O Executivo quer atribuir um "valor garantido e universal", uma "comparticipação das famílias no preço da creche a partir do segundo filho".
Igualmente previsto está a criação de incentivos para que os grandes empregadores, com estruturas intensivas em mão-de-obra, disponibilizem "equipamentos ou serviços de apoio à infância aos respetivos trabalhadores".
Com o objetivo de "travar o flagelo da violência doméstica", o Executivo promete "desenvolver um sistema integrado de sinalização de potenciais vítimas e agressores", promovendo a "atuação integrada do sistema educativo, do sistema de saúde, das polícias, das instâncias judiciárias e outros agentes".
Outra área de aposta é a prevenção primária, que deve ser centrada nas escolas, nas universidades e nos serviços de saúde, de modo a "evitar a violência no namoro e todas as formas de violência de género".
Outro objetivo passa por criar "um ponto único de contacto para vítimas de violência doméstica, onde seja possível tratar de todas as questões, com garantias de privacidade e assegurando o acompanhamento e a proteção das vítimas".
No programa aprovado este sábado, o Governo promete abolir, até ao final de 2020, os plásticos não reutilizáveis (pratos, copos ou talheres de plástico, palhinhas ou cotonetes, por exemplo), antecipando em um ano a aplicação da diretiva europeia que obriga a esta medida - que já tinha sido anunciada, em fevereiro deste ano, pelo ministro do Ambiente, Matos Fernandes.
O programa de Governo fala ainda na "abolição progressiva", num "horizonte próximo, mas realista, de outras utilizações do plástico" e propõe-se "contrariar os excessos verificados na embalagem de produtos, designadamente através da instituição de sistemas de depósito e de mecanismos de reutilização de embalagens".
O compromisso passa também por "promover uma política de gestão de resíduos urbanos assente na proximidade ao cidadão", a melhorar "a utilização dos sistemas porta-a-porta, de ecopontos e ecocentros" e estender a recolha seletiva "a outros fluxos de resíduos" (quais, não são especificados).