Violência doméstica. De absolvido em Oeiras a 3 anos de prisão efetiva

Na sentença de novembro de 2018, juiz concluiu haver interesse da vítima em ficar com a casa e em receber uma indemnização. E absolveu o homem. Recurso avançou e agora foi condenado pela Relação de Lisboa a três anos de prisão efetiva e pagar cinco mil euros à vítima.

No final do ano passado, no Tribunal de Oeiras, um homem foi absolvido do crime de violência doméstica com um juiz local a considerar que não houve provas suficientes em julgamento e a duvidar da intenção da mulher queixosa. Escreveu na sentença que a vítima tinha interesse em ficar com a habitação social do município onde habita a família e em receber uma indemnização pois pedia dez mil euros. O testemunho do filho mais velho do casal foi também desvalorizado por ter dito que estava de relações cortadas com o pai. A vítima e o Ministério Público não se conformaram e recorreram. O Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão de 21 de março, dá-lhes razão e nem sequer reenvia o processo para a primeira instância. Condena o homem a três anos de prisão efetiva e a pagar cinco mil euros à ex-companheira.

Foi no dia 5 de novembro de 2018 que o Juízo Local Criminal de Oeiras decidiu que o agressor, que em 2016 já tinha tido uma suspensão provisória do processo por causa da violência doméstica, devia ser absolvido. Com a quase totalidade dos factos a serem dados como não provados, o juiz disse na sentença que fundou a sua convicção com base na prova testemunhal, documental e nas declarações de arguido e ofendida. "Qualquer um deles sustenta que o outro quer (o arguido por meio do crime que lhe é imputado, a assistente por meio deste processo) expulsar o outro da casa de morada de família, a qual, segundo prova documental junta nos autos, é casa de habitação social que foi arrendada a ambos por entidade camarária. A somar a esse presuntivo interesse da assistente na decisão da presente causa, a mesma tem igualmente interesse em obter ganho de causa na decisão do pedido de indemnização civil que, pelo valor de 10 mil euros intentou contra o arguido", lê-se nessa sentença de 2018.

O magistrado de Oeiras descreve os depoimentos das testemunhas para concluir que nenhuma apresentou factos que incriminem o arguido, pelo menos da forma como estavam descritos na acusação do MP. "Em suma, as declarações incriminatórias da assistente [a ofendida] foram refutadas pelo arguido e não foram corroboradas de modo isento, verosímil, coerente e, portanto, credível pelos depoimentos das supracitadas testemunhas, cujo teor se fundou quase exclusivamente em depoimentos de ouvir dizer."

E disse que a mulher podia ter interesse financeiro em ganhar o processo. "Tem interesse, pessoal e patrimonial na decisão da presente causa, pois poderá obter o direito a usar exclusivamente a casa camarária arrendada a ambos se o arguido for condenado por violência doméstica, além do que deduziu pedido de indemnização em 10 mil euros. Não sendo pessoa isenta e imparcial, as suas declarações não foram corroboradas pelo depoimento do seu filho, o qual também não é isento e imparcial em virtude de ter cortado relações com o seu progenitor (...), assim como não foram corroborados por depoimentos com razão de ciência direta sobre tais atos ou por prova documental e/ou pericial (documentos médicos, hospitalares, exames, ...)."

Com esta convicção, o magistrado decidiu que perante a "falta de prova de que o arguido infligiu violência de qualquer tipo à assistente/demandante e que esta sofreu danos em sua consequência, é dispensável tecer-se quaisquer considerações jurídicas sobre o tipo de crime de violência doméstica, impondo-se a absolvição do arguido da sua prática, bem como do pedido de condenação a pagar indemnização civil para reparação e compensação de danos emergentes desse ilícito".

Foi sobre esta sentença que o MP e a mulher apresentaram o recurso por discordarem da apreciação da prova. Pediam a condenação.

Mulher com estatuto de vítima

Na Relação de Lisboa, as juízas desembargadoras Margarida Vieira de Almeida (relatora) e Maria da Luz Batista arrasam com a decisão de primeira instância. "As declarações da ofendida foram desvalorizadas porque o tribunal entendeu que o facto de ambos pretenderem a casa de morada de família (que será atribuída/partilhada em sede de processo de divórcio já intentado) e o facto de a ofendida ter formulado pedido de indemnização cível contra o aqui arguido, ou seja, o de pretender obter "ganho/proveito" por força do presente processo assim o determinavam. Sucede que a ofendida tem o estatuto de vítima,(...), tem direito a uma indemnização por parte do agente do crime, no âmbito do processo penal."

Assim sendo, prosseguem as magistradas, "não pode o depoimento da vítima ser desvalorizado por qualquer preconceito genérico sobre eventual ganho de causa, ou de proveito obtido por via do processo, tanto mais que presta juramento. A função do julgador é exatamente separar o trigo do joio, e valorar a prova de acordo com a credibilidade que lhe merecem, ou não, os intervenientes processuais".

Este caso tinha começado com uma suspensão provisória do processo por 18 meses, apoiada pela vítima em 2016 que iniciou aí a procura de nova casa junto da Câmara. O arguido comprometeu-se então a não contactar com a vítima por quaisquer meios e em frequentar um programa para agressores. Mas o homem nunca saiu de casa até que em 2017 a mulher pediu ao tribunal que resolvesse a situação pois "passou a ser ameaçada de morte". O MP teve em conta que, após a suspensão do processo, o arguido passou a desligar a eletricidade e o esquentador, obrigando a mulher e os três filhos a aquecer água para tomar banho, para considerar finda a suspensão provisória do processo e deduzir acusação por um crime de violência doméstica.

As juízas recordam agora que "apesar de ter concordado com a suspensão provisória do processo, o arguido não cumpriu com as injunções, continuou na casa de morada de família, e manteve-se o mau estar decorrente dos maus tratos psíquicos e físicos."

Em relação à desvalorização dos testemunhos da vítima e do filho mais velho, o acórdão refere que "as palavras da assistente e do filho a respeito das agressões descritas na acusação, em resultados dos ciúmes constantes, mereceram credibilidade. Nenhum dos dois revelou animosidade, o menor foi ouvido perante o pai, o que contraria o recomendado pela Convenção de Istambul sobre proteção das vitimas de violência, e de violência doméstica, e ainda assim, depôs com calma".

Atitudes e comportamentos destruidores

A conclusão final é que houve mesmo violência doméstica. "No caso vertente, durante anos a fio, o arguido movido por ciúmes a seu ver justificados, dirigiu a sua mulher atitudes, comportamentos e palavras que considerados em separado podem ser anódinos mas cuja repetição os torna destruidores... Através das perseguições, da reiterada imputação de condutas de infidelidade, de reiterada desconfiança, de injúrias, de controlo de correspondência e telefone, quer o arguido impor a sua vontade de continuar casado à assistente, (trouxe-te de Moçambique, és uma ingrata, tens de me servir), e de continuar casado à sua maneira, sem qualquer respeito pela pessoa da sua Mulher, a quem deve respeito,..., cooperação e assistência."

Para prevenir retaliação do agressor até ao trânsito em julgado desta decisão, as juízas decidem que o condenado fica desde logo "obrigado a cumprir a proibição de contactos imposta, com afastamento da residência", sendo condenado na sanção acessória de três anos de proibição de contactos com a vítima.

A sentença de Oeiras é revogada e a Relação de Lisboa condena o arguido na pena de três anos de prisão efetiva pela prática de um crime de violência doméstica agravada e ainda a pagar uma indemnização cível de cinco mil euros, metade do pedido pela mulher. Além disso, concede também "aos menores filhos do casal o Estatuto de Vítimas, com direito a proteção, incumbindo às autoridades da área da residência prevenir as possibilidades de represálias".

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