Tem entre 25 e 44 anos e o ensino básico. Retrato do trabalhador português no séc. XXI

Passados 45 anos sobre a primeira celebração do Dia do Trabalhador em Portugal, a evolução laboral é significativa, mas em simultâneo estamos a assistir a uma degradação progressiva das condições de trabalho, segundo Elísio Estanque, investigador na área do Trabalho.
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Trabalha essencialmente no setor terciário e por conta de outrem. Tem entre 25 e 44 anos e concluiu apenas o ensino básico. Em traços muito gerais assim se pode desenhar a figura do trabalhador português em 2019 neste 1.º de Maio, Dia do Trabalhador.

Segundo os dados disponíveis no PORDATA, base de dados da Fundação Francisco Manuel dos Santos, há atualmente em Portugal 4,866 milhões de pessoas empregadas (numa população total de 10,3 milhões): 51% homens e 49% mulheres. Destes, 11% trabalham a tempo parcial e 14% pertencem à função pública.

Em Portugal, o mais comum (83%) é trabalhar-se por conta de outrem e estes profissionais estão na maioria dos casos (65%) efetivos. Quanto ao tempo que dedicam ao trabalho e o salário correspondente: os homens trabalham em média semanalmente 36,2 horas e ganham 1123€, de acordo com os últimos dados disponíveis de 2017, enquanto as mulheres fazem 32,3 horas por 861,2€.

Trabalhadores mais qualificados, mas sem melhores condições

As atividades intelectuais e científicas, por um lado, os trabalhadores dos serviços pessoais, de proteção e segurança e vendedores, por outro, são as áreas que reúnem a percentagem mais elevada de trabalhadores - 19% cada uma. Já os agricultores, os pescadores e as atividades ligadas à floresta representam a percentagem mais baixa do percurso profissional dos portugueses (5%).

"A oferta de emprego de facto aumentou nos serviços, é o campo que está em maior crescimento com toda a diversidade que isso comporta. Mas não quer isto dizer que estejamos a falar só de trabalhadores qualificados, porque assistimos a uma degradação das condições das qualificações e das condições de trabalho de um modo geral. Durante muitas décadas habituámo-nos a pensar no setor terciário como sendo um campo de acesso à classe média assalariada, mas hoje em dia não é bem assim, há muitos estudos a confirmar que há uma certa inclusão e degradação das condições, da estabilidade e da segurança", indica Elísio Estanque, sociólogo investigador na área do trabalho e professor na universidade de Coimbra.

Embora as gerações mais jovens (dos 25 aos 44 anos) - que representam 46% das pessoas empregadas - sejam mais qualificadas, as estatísticas mostram-nos que a população portuguesa no mercado de trabalho ainda tem uma baixa taxa de formação escolar. 45% frequentaram apenas o ensino básico, 27% fizeram o secundário. São também 27% os que têm um curso superior. Apenas 1% não tem qualquer tipo de escolaridade.

São precisamente as pessoas com menos escolaridade (instrução básica) aquelas que têm mais dificuldade em encontrar emprego. Em Portugal, estão desempregadas 365,9 mil pessoas; 48% são homens e 52% são mulheres.Sendo que destas, 45% têm apenas o ensino básico e 33% o secundário.

"É realmente muito elevado o número de trabalhadores com apenas o ensino básico, mas também é verdade que está a crescer o número de pessoas com formação superior. Os atuais 27%, há pouco tempo eram 24 ou 25%. E a tendência é para que aumente ainda mais, mas isto não quer dizer qualidade de emprego. Há uma contradição flagrante entre aquilo que são as qualificações de quem entra agora para o mercado de trabalho e as condições objetivas de emprego, como o horário, o salário, a segurança. Nesta componente estamos a aproximarmo-nos daquilo que foi a classe trabalhadora há umas décadas", refere o sociólogo.

"Há uma instabilidade e ao mesmo tempo há uma certa evolução se compararmos com o que acontecia há várias décadas", acrescenta.

1.º de Maio de 1974

Uma semana depois da revolução do 25 de abril, celebrava-se pela primeira vez o Dia do Trabalhador, a 1 de Maio de 1974. De norte a sul, centenas de milhares de pessoas saíram à rua naquela que ficou para a história como a maior manifestação popular portuguesa depois de 48 anos de ditadura.

Neste ano, estavam empregadas 3,694 milhões de pessoas, que, ao contrário do panorama atual, estavam sobretudo viradas para o setor primário (1,290 milhões) e para o secundário (1,246 milhões ). No entanto, também na altura a maioria dos trabalhadores eram-no por conta de outrem (2,417 milhões). Desempregadas estavam 66,5 mil de pessoas, numa população total de 8,88 milhões.

"Estávamos numa fase de expectativas positivas; estávamos a viver os primeiros dias da liberdade e da democracia e do campo sindical logo depois da revolução e da constituinte que ainda hoje temos e que resultou muito da mobilização da sociedade civil. As ​​​​​​​conquistas que daí resultaram foram avanços muito significativos, que nos últimos 20 anos têm vindo a ser reduzidos", lembra o professor Elísio Estanque.

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