Órgão que disciplina juízes recusa novo processo a Neto de Moura
Não haverá novo processo disciplinar a Neto de Moura.
Foi o que disse ao Expresso o Conselho Superior de Magistratura (CSM), órgão responsável pela gestão e disciplina dos juízes portugueses, alegando não ter competências para "interferir em decisões dos magistrados judiciais".
Em causa está o acordão assinado por Neto de Moura, e divulgado no dia 25 pelo Público, em que o desembargador decidiu retirar a pulseira eletrónica a um homem que agredira a companheira ao soco, furando-lhe um tímpano.
Sem reconhecer o estatuto da vítima, o juiz disse ainda no texto que "a mais banal discussão ou desavença é logo considerada violência doméstica."
O argumento do CSM é a leitura que faz da Constituição: "A independência dos tribunais significa também a independência dos titulares destes órgãos. O artigo 216 da Constituição da República Portuguesa determina que um juiz não pode ser responsabilizado pelas suas decisões."
No início deste mês, no entanto, o CSM sancionou pela primeira vez um juiz português - precisamente Neto de Moura, e precisamente por ter censurado uma vítima de violência doméstica.
O caso remonta a novembro de 2017, quando Neto de Moura redige um acordão censurando uma mulher vítima de violência doméstica por ter sido infiel ao marido. Recorrendo a citações da Bíblia e ao Código penal de 1886, o magistrado escreveu que "o adultério da mulher era um atentado à honra e dignidade do homem."
Também recorreu à Bíblia para lembrar que o livro escreve que segundo as escrituras "uma mulher adúltera deve ser punida com a morte" e que "sociedades existem onde uma mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte."
No início de fevereiro de 2019, pela primeira vez na história portuguesa, o juiz desembargador do Porto foi condenado a castigo. Recebeu uma advertência, a punição mais baixa da escala, mas toda a gente se apressou a considerar a decisão do CSM histórica.
A diferença é que, nesse caso, Neto de Moura não estava a ser punido pela decisão que tomou, antes pela violação do dever de correção e persecução do interesse público. O juiz, entretanto, recorreu.
Se no primeiro processo o que estava em causa era o serviço do juiz à sociedade, e aí o CSM podia pronuciar-se, este segundo não pode ser posto em causa pela atuação do juiz, a bem da separação de poderes.
Ou seja, para o homem que agrediu a companheira ao soco voltar a ter pulseira eletrónica, a única hipóetese da vítima é recorrer aos tribunais superiores. Entretanto, vigora o que Neto de Moura decidiu - para todos os efeitos, um agressor livre.