O padre que anda de desfibrilhador para o caso de ser preciso

É padre há 15 anos, bombeiro há quatro, numa região onde a população é envelhecida e o socorro diferenciado demora a chegar. A morte de um amigo, por paragem cardiorrespiratória, no Natal do ano passado, levou-o a comprar um desfibrilhador automático. Hoje é o primeiro cidadão a ter licenciamento do INEM para o usar.
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Humberto Coelho tem 42 anos e já cumpriu dois dos três sonhos de criança. O primeiro era ser padre - já o é, desde 2004, depois de se ter formado em Teologia, na Universidade Católica Portuguesa. O segundo era ser bombeiro, o que conseguiu há quatro anos, depois de ter feito a formação no Corpo de Bombeiros Voluntários de Carrazeda de Ansiães. Hoje é bombeiro operacional, Tripulante de Ambulância de Socorro, nos Bombeiros Voluntários de Mirandela. Só lhe falta cumprir o terceiro sonho, o de ser maquinista de comboios, mas até agora "ainda não tive a sorte de alguém me deixar conduzir um", confessa a a rir ao DN.

É ao final do dia que falamos com o padre Humberto, Berto para os amigos e como tantos o tratam na sua página de Facebook. É conhecido por levar tempo a responder a mensagens ou até a atender chamadas, mas os afazeres como padre são muitos. Só à sua guarda tem mais de 20 comunidades, muitos paroquianos para ouvir e a quem dar atenção, mas foi neste trabalho, e depois já como bombeiro, que percebeu que, afinal, o socorro diferenciado é quase residual. "Nem sempre chega a tempo quando a situação o impõe", argumenta ao DN.

Por isso, o padre Humberto não se contentou em ser só bombeiro. A esta formação seguiram-se outras que o capacitaram em técnicas de suporte de vida, mas como tal não basta, num território onde tudo é longínquo, quis ir mais longe para poder ajudar os outros.

No início deste ano, depois de durante as festas de Natal de 2018 um amigo, de 50 anos, lhe morrer nas mãos devido a uma paragem cardiorrespiratória, comprou um desfibrilhador automático externo (DAE) e anda com ele no carro. Depois candidatou-se ao licenciamento para o poder usar dentro da legalidade, e há quatro meses obteve a autorização do INEM.

A Associação Salvar mais Vidas diz que é o primeiro cidadão da sociedade civil a conseguir esta autorização.

Para ele, "não é importante ser o primeiro, o importante é ter o equipamento e poder ajudar os outros", pois foi isso que não conseguiu fazer precisamente quando, numa festa, um dos amigos tomba para o lado. "Diagnostiquei-lhe uma paragem cardiorrespiratório, pedi que chamassem o 112, mas quando chegaram ao local já era tarde", contou ao DN.

"Vivemos numa zona em que para se chegar a qualquer aldeia levamos entre 20 a 25 minutos e numa situação destas o tempo que conta e que salva é o imediato e quando saímos para uma situação destas o intervalo de tempo é mínimo, o que não nos dá uma grande margem de sucesso", argumentou Humberto Coelho.

Foi esta consciência que o levou a avançar para a compra de um DAE e depois a avançar para o licenciamento com a fundamentação de que está inserido num meio de população idosa, um meio onde o socorro está disperso e demora a chegar, devido ao próprio território.

"O INEM aceitou, mas o ideal seria mesmo poder haver um DAE a virar de cada esquina, só assim conseguiríamos poupar algumas das 12 mil vitimas que, todos os anos, morrem em consequência de uma paragem cardiorrespiratória", argumenta. Mas já é bom que ele e outros como ele, com a mesma formação, possam vir a ajudar outras pessoas.

Até agora, e desde julho, ainda não teve que usar o DAE, "graças a Deus".

"Espero nunca ter de o usar, espero que o equipamento morra de velho", afirma a rir, reforçando: "Quem trabalha com técnicas de suporte de vida espera nunca ter de as usar. É sinal de que está tudo bem".

Mas quem vive entre Mirandela e Bragança ou Mirandela e Vila Real sabe como este tipo de apoio é necessário, para cada vez mais não se chegue aos locais "tarde demais".

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