Mares dos Açores e da Madeira são 'estradas' para o tráfico de cocaína
Os mares dos Açores e da Madeira fazem parte das rotas que os traficantes utilizam para fazer chegar à Europa toneladas de cocaína provenientes da América do Sul, principalmente do Brasil, Colômbia, Equador, Paraguai e Peru. Apesar de as duas regiões autónomas portugueses estarem a perder importância como áreas de trânsito para as máfias as suas águas são ainda utilizadas por muitas embarcações que transportam a segunda droga mais utilizada no continente europeu: em 2017 o mercado ilegal relacionado com este estupefaciente movimentou 9.1 mil milhões de euros. A canábis, a mais consumida, terá gerado 11.6 mil milhões de euros.
Um exemplo que justifica estas preocupações é dado pela descoberta este fim de semana de um narcosubmarino na costa espanhola que transportava três toneladas de cocaína desde a Colômbia e que terá passado por Lisboa. No domingo, as informações disponibilizadas pelas autoridades espanholas apontavam como causa para a deteção da embarcação - a primeira deste tipo detetada em águas europeias - alguma avarias que terá sofrido tal como a falta de combustível. Já referenciado pela Polícia Judiciária, acabou cercada pelas forças de segurança espanholas. Os três tripulantes saltaram para a água e deixaram a escotilha aberta para que a embarcação submergisse.
Este caso surge assim como o exemplo da importância dos dados recolhidos pelas autoridades e dos alertas que estas têm feito para o constante aumento do poder dos grupos criminosos que fazem do tráfico de droga o seu principal "negócio", ao qual associam o tráfico humano e de armas. Referências que estão bem expressas no relatório "EU Drug Markets Report" que foi apresentado na manhã desta terça-feira em Bruxelas pela Europol e pelo Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência.
Documento em que é feita uma chamada de atenção para o facto de o tráfico de droga estar a gerar lucros que acabam por também ser canalizado para o financiamento e recrutamento de grupos extremistas. Além de potenciar a corrupção.
Nesta terceira edição - a análise dos mercados europeus de droga e as suas tendências é feita em períodos de três anos em que a primeira surgiu em 2013 - são feitos diversos alertas para a importância cada vez maior que as máfias estão a ter na sociedade europeia e o impacto das suas ações num mercado em que há cada vez maior quantidade de drogas, tanto as tradicionais como sintéticas, e com maior pureza.
Os especialistas destas duas agências chamam a atenção também para o facto de as redes criminosas que efetuam o tráfico e a venda de drogas estarem a utilizar formas de distribuição e venda cada vez mais inovadoras deixando os canais tradicionais de distribuição. Utilizam a Dark Web, os programas de mensagens encriptados - como o WhatsApp e o Telegram - para comunicar entre si e os modos de venda estão a mudar passou da compra na rua para a entrega num local indicado pelo consumidor onde a droga chega por via postal ou por uma empresa de entrega de encomendas.
Alterações de comportamento que também levam a novos desafios no que diz respeito às legislações europeias, aos serviços públicos de saúde - em 2017 registaram-se mais de 8200 mortes associadas a overdoses - e à forma como as autoridades policiais podem vigiar e investigar estes grupos.
No documento de 258 páginas é feito um retrato das tendências relacionadas com tráfico e consumo baseadas na recolha de informações por parte das policias e das suas operações. Reportando-se na grande maioria dos pontos a dados de 2017, o documento chama a atenção para a rapidez com que este mercado evolui e as constantes alterações que gera.
Como refere a diretora-geral para as Migrações e Assuntos Internos da Comissão Europeia Paraskevi Michou "a Europa está confrontada com um rápido desenvolvimento do mercado da droga. [...] Também assistimos a um crescimento da oferta de substâncias ilícitas, tal como um aumento da potência das substâncias sintéticas".
Esta responsável chama ainda a atenção para o facto de o tráfico de droga ser "uma das maiores fontes de rendimento das organizações criminosas e como estas estão relacionadas com outras áreas de criminalidade. Este mercado é uma importante fonte de recrutamento de jovens por parte das organizações criminosas e dos gangues. Tal como de exploração e de tráfico de pessoas vulneráveis".
Segundo as autoridades europeias responsáveis pelo documento apresentado esta terça-feira em alguns casos os lucros do tráfico estão a ser usados para financiar grupos como os talibãs e as FARC ( Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, uma organização paramilitar cujo braço armado depositou as armas em 2017 ). É dada como exemplo deste financiamento uma operação das autoridades espanholas que em 2018 desmantelaram um grupo que traficava droga, mas não só, e que trocava canábis por armas, financiando a propaganda de grupos terroristas e jihadistas.
Garantem igualmente que têm sido detetadas inúmeras provas de que elementos ligados a ameaças terroristas, ou a grupos, têm, ou tiveram, relação com as drogas seja como consumidores, produtores ou vendedores.
As autoridades europeias garantem que das cerca de cinco mil organizações criminosas referenciadas no continente um terço está diretamente envolvida no tráfico de droga e em outros negócios ilícitos paralelos. De acordo com esses dados - publicados recentemente no relatório Seriuos nd Organised Crime Threat Assessment - o tráfico de droga envolve pelo menos 30 mil milhões de euros. É, assim, um negócio bastante valioso e que está a provocar um aumento da violência entre os gangues em luta pelo domínio de áreas de negócios, segundo o relatório apresentado esta manhã. Que chama a atenção igualmente para o facto de estar a ser detetado um aumento da corrupção associada ao tráfico.
Esses valores estão assim repartidos: 39% desse valor está relacionado com a canábis; 31% com o tráfico de cocaína; 25% da heroína; 3% com as anfetaminas e 2% com o ecstasy e o MDMA.
O mercado do tráfico e venda de droga na Europa está, assim, em alta. O aumento de produção de cocaína na América do Sul - uma preocupação que levou até a que esta terça e quarta-feira tenha lugar em Lisboa um encontro entre elementos da Polícia Judiciária e da Polícia Federal do Brasil exatamente para analisar e debater o aprofundamento da cooperação entre as duas forças policiais -, a subida da oferta de heroína devido também ao aumento de cultivo no Afeganistão (com cultivo recorde) juntamente com a crescente disponibilização de drogas sintéticas e de canábis produzidas na Europa, estão a deixar as autoridades em constante alerta.
Além do aumento da oferta dos vários tipos de droga, o relatório da EMCDDA chama a atenção para o facto de um mundo cada vez mais global ser um fator que "ajuda" as redes criminosas que se especializaram também em explorar esse mercado onde a facilidade de atravessar as fronteiras entre os países europeus, a utilização cada vez com maior frequência de navios com contentores onde entre mercadoria legal escondem as substâncias ilegais e, até, a contratação de empresas de entrega de encomendas ou postal para levar a droga aos consumidores, ajuda à expansão do tráfico.
Quanto ao consumo, a canábis continua a ser a substância mais consumida - um em cada sete jovens adultos europeus já teve contacto com esta droga - estando estimado que cerca de 25 milhões de pessoas consomem.
No que diz respeito à heroína, o "EU Drug Markets Report" refere que em 2017, esta substância deverá ter sido responsável pela movimentação de 7.4 mil milhões de euros. O tráfico é liderado por grupos oriundos dos Balcãs, ingleses, holandeses, iranianos e paquistaneses que fazem chegar esta droga à Europa desde a sua origem - o Afeganistão.
Segunda droga mais consumida no espaço europeu, a cocaína está a ser colocada no mercado com cada vez maior pureza - chega a ter 85% - e tem origem principalmente na Colômbia de onde é traficada para o continente por redes mafiosas daquele país e italianas que dominam esse mercado apesar da presença de grupos de outras nacionalidades, mas que têm pouca expressão. O transporte é feito com o recurso a contentores que seguem em navios para portos da Bélgica, Holanda e Espanha, estando o norte de África a surgir como um ponto importante de trânsito.
Para se perceber a cada vez maior presença desta droga no mercado europeu basta dizer que em 2017 foram apreendidas 142 toneladas de cocaína na União Europeia, Noruega e Turquia, uma quantidade recorde. Bélgica e Espanha detetarem 60% desse volume e Portugal se ficou por 2.7 toneladas.
No entanto, o próprio relatório admite que em 2018 - cujos dados finais ainda não são conhecidos - as 142 toneladas apreendidas pelas autoridades devem ter sido ultrapassadas. E dá como exemplo o relatório preliminar da polícia belga que adianta ter sido detetada no porto de Antuérpia 50 toneladas nesses 12 meses, mais do que em todo o país em 2017.
No que diz respeito às drogas sintéticas - produzidas na sua maioria no centro da Europa - o relatório refere que estas representarão cerca de mil milhões de euros no mercado destes produtos ilegais.