"Lei para piscinas ainda é insuficiente"

A presidente da Associação para a Promoção da Segurança Infantil (APSI), Sandra Nascimento, lamenta o caso da criança belga que morreu na madrugada do dia 23, após ter ficado presa numa piscina em Azeitão. "As mortes por afogamento têm vindo a diminuir significativamente desde 2002", mas ainda é preciso fazer mais a nível de legislação
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No dia 27 faz 25 anos que ocorreu o Caso Aquaparque, em Lisboa, duas crianças morreram, há quem diga que muito foi feito em termos de legislação, mas continuam a existir acidentes.

Houve algumas mudanças a nível da legislação e é expectável que tenham tido algum impacto. No entanto, não foram assim tantas ou, pelo menos, de forma abrangente como gostaríamos.

Há noção do impacto que esta legislação tem vindo a ter?

A primeira campanha que lançámos foi em 2002 A Morte por Afogamento é Rápida e Silenciosa. E o número de mortes de crianças e de jovens por afogamento, bem como o número de crianças internadas, reduziu de forma muito significativa. Nessa altura, entre 2002 e 2004, havia uma média de quase 30 crianças que morriam por ano em sequência de afogamento. No último biénio de que há dados, de 2013 a 2015, a média é de dez. Portanto, o impacto é este, embora se saiba que, por cada criança que morre há cerca de duas a três que são internadas na sequência de um afogamento.

Mudou qualquer coisa, mas o que é preciso fazer ainda?

Não há dúvida que houve qualquer coisa que mudou. E, provavelmente, foi muito a consciência das pessoas relativamente às medidas de proteção que se tem que assumir que devem existir quando há água por perto - e nunca é tarde de mais lembrar que quando há uma criança pequena o perigo de água por perto pode ter, às vezes, menos de um palmo. Este nível é suficiente para uma criança pequena se afogar.

Mas em termos de legislação o que é preciso mudar?

As mortes em parques aquáticos levaram à criação de legislação específica para a construção do próprio equipamento - desenho da piscina, marcações e renovação da água e dos filtros - quanto a tudo o que se pode imaginar que é necessário para ter uma piscina com segurança. Mas, na verdade, esta questão é a única que tem enquadramento legal. E, neste sentido, a APSI considera que é insuficiente. Há muitos anos que pedimos um enquadramento legal mais abrangente e para todos os tipos de piscinas, sejam elas de uso doméstico, de uso turístico, em hotéis ou outro tipo de empreendimento, ou públicas.

Então, as medidas que existem e foram aplicadas depois do Aquaparque são só para as de uso público e com característica de parques aquáticos?

É isso. As medidas que existem só abrangem a construção das piscinas enquadradas nesta tipologia. É verdade que nada iliba, e é bom frisar isto, fabricantes, vendedores, quem licencia e até os próprios proprietários, em termos de responsabilidade. Ou seja, quando abrem um espaço destes têm de garantir obrigatoriamente todas as condições que previnam riscos graves para a saúde e para os seus utilizadores. Há sempre um requisito geral que tem de ser cumprido.

Como é possível fiscalizar e obrigar os outros proprietários a cumprirem?

Há um enquadramento legal específico para as piscinas que estão identificadas, mas sabemos que, felizmente, muitos organismos e muitas entidades já utilizam. O que não faz com que deixe de existir um vazio legal. É este que deve ser resolvido. Na legislação atual há alguma referência à importância dos meios de socorro, o que é muito importante, mas é preciso que a legislação se estenda a todas as tipologias de piscina relativamente à construção e à segurança. Por exemplo, o impedir que o acesso à piscina não seja fácil para uma criança, que seja obrigatório uma vedação. Por isso dizemos que um proprietário de uma piscina, quer seja de um hotel ou de uma privada, tem de garantir em primeiro lugar, junto do fabricante e de quem instala, que aquele equipamento cumpre as normas europeias. Isto é já uma grande garantia. É preciso que quem constrói, instala e faz a manutenção cumpra as normas.

A APSI defende que a legislação tem de ser mais abrangente. Já contactaram o governo para que a lei fosse alterada?

Recentemente não, mas tem sido uma questão recorrente. Em todas as comissões que a APSI está representada a questão é colocada. A lei tem de mudar e, por exemplo, a existência de uma proteção é essencial. A maioria dos afogamentos acontece com crianças até aos dois anos e em piscinas sem proteção. Este é o caso mais frequente de afogamento. A criança tem acesso à água de forma fácil, sobretudo em épocas como a que estamos a viver agora, primeiros dias de férias, em que as pessoas estão a descontrair, etc. E a maioria dos casos acontece quando as crianças e os adultos não estão a tomar banho, mas quando já não estão e há uma porta que fica aberta que dá acesso fácil à piscina. Por outro lado, é preciso também que a legislação tenha em conta a própria qualidade da água, a existência de nadadores salvadores, sempre que o equipamento o justifique, etc. É preciso que tudo isto esteja garantido.

Quem tem de mudar esta legislação?

Esta legislação terá que ser inter-ministerial porque há diferentes tipologias de piscinas, cujo uso vai desde o doméstico ao turístico e ao desporto e lazer.

Mas quando há uma piscina há que ter também cuidados redobrados?

Claro. De uma maneira geral recomendamos às pessoas que avaliem as condições do local para onde vão de férias, que tentem perceber os meios que existem para proteger no caso das crianças o acesso à piscina, etc. No caso das crianças que não sabem nadar bem recomendamos o uso de meios auxiliares à natação, como braçadeiras, vigilância apertada para que se possa agir de imediato em caso de problema. Para os mais velhos, para os que já têm mais autonomia, algumas regras de comportamento. Não é só importante saber nadar, é também preciso saber estar na água e no meio aquático, respeitando inclusive quem lá está e não sabe nadar.

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