Governo desmente Antram. Hospitais sem problemas de abastecimento

Antram alertou para riscos nos abastecimentos a hospitais de Lisboa, Leiria e Coimbra. Ministério da Saúde não tem conhecimento de constrangimentos. Sindicatos garantem que os serviços mínimos foram cumpridos e que sem horas extraordinárias em breve haverá postos sem combustível. Militares a substituírem motoristas é uma "vergonha nacional", diz Pardal Henriques.
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O Ministério da Saúde afirma desconhecer constrangimentos no abastecimento de bens essenciais aos hospitais, como gases medicinais, lembrando que o fornecimento às unidades de saúde está garantido nos termos da resolução do Conselho de Ministros.

A resposta do Ministério à Lusa surgiu depois de um alerta da Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias (Antram) que indicava que o abastecimento a hospitais das zonas de Lisboa, Leiria e Coimbra "ficam, nas próximas 24 horas, seriamente comprometidos", na sequência da greve de motoristas de matérias perigosas.

"O Ministério da Saúde não tem conhecimento, até ao momento, de constrangimentos no fornecimentos de quaisquer bens essenciais, designadamente gases medicinais, aos hospitais/centros de saúde, estando todas as unidades a funcionar normalmente", referiu o Ministério

O Ministério recorda ainda que "o abastecimento aos hospitais e centros de saúde está garantido através do acesso à REPA (Rede Estratégica de Postos de Abastecimento)" e que "está ainda garantido o acesso de todas as entidades, definidas como prioritárias, que prestem serviços de emergência médica e de transporte de medicamentos e dispositivos médicos", conforme a resolução de Conselho de Ministros de 9 de agosto.

Segundo um comunicado enviado por André Matias de Almeida, os serviços mínimos foram "novamente incumpridos esta manhã na região centro" e só está garantido o abastecimento a hospitais de Lisboa, Leiria e Coimbra para cerca de mais 24 horas.

Questionado sobre qual o tipo de abastecimento concreto que poderá faltar, o advogado da Antram esclareceu que se trata de gás criogénico, utilizado em equipamentos médicos.

"É urgente que o Governo decrete a requisição civil total para quem, insensível sequer ao abastecimento a hospitais, insiste em incumprir os serviços mínimos", refere.

Depois de o Ministério da Saúde afirmar que não há problemas no abastecimento a hospitais, André Matias de Almeida reafirmou o que tinha dito. À SIC Notícias, o advogado e porta-voz da Antram assegurou que se a situação se mantiver como está o abastecimento a hospitais em Lisboa, Leiria e Coimbra fica comprometido nas próximas 24 horas.

"Greve pode durar 10 anos, se for preciso", diz porta-voz do sindicato

No primeiro dia em que a requisição civil está em vigor, todos os motoristas de matérias perigosas estão a trabalhar, esta terça-feira, garantiu o representante sindical destes trabalhadores.

"Estão 100% dos trabalhadores a trabalhar", afirmou o porta-voz do Sindicato dos Motoristas de Matérias Perigosas, Pedro Pardal Henriques, em Aveiras de Cima, Lisboa, à porta da sede da CLC - Companhia Logística de Combustíveis.

"Neste momento, o que se passa é uma greve de zelo e o Governo é conivente", referiu Pardal Henriques hoje, explicando que os motoristas não irão fazer horas extraordinárias, estando a cumprir as oito horas regulamentares de trabalho. "Isto quer dizer que fazem cerca de metade das horas normais", portanto "é normal que os serviços mínimos representem metade do serviço normal", adiantou.

Ainda assim, Pardal Henriques considera que, "aos poucos, os postos de abastecimento vão ficar vazios".

O sindicato diz que o número de grevistas atinge os 80 a 90% dentro do setor das matérias perigosas, o mesmo número avançado na segunda-feira. Pardal Henriques diz que, apesar de conseguirem aguentar a greve por tempo indeterminado, uma vez que os motoristas estão a cumprir as oito horas de serviço e, por isso, vão ser remunerados, continua a acreditar que "a qualquer momento a Antram tenha a decência" de os "chamar para conversar" e chegarem a acordo para acabar com a greve. Se não "a greve pode durar 10 anos, se for preciso", disse.

Apesar de "esta manhã estar tudo a correr com normalidade", os militares da GNR continuam a escoltar os camiões-cisterna que saem dos vários locais para abastecer os postos, disse à Lusa uma fonte daquela instituição. E há relatos de militares a conduzirem camiões em alguns locais - na segunda-feira, houve o recurso a 33 elementos das forças de segurança para o transporte de combustível, anunciou o Ministério da Administração Interna (MAI).

Rede de emergência com 35% a 45% do stock

O volume de combustíveis nos postos da rede de emergência situava-se, esta terça-feira às 08:00, entre os 35 e os 45%, mas havia locais em sete distritos com menos de um terço do 'stock' total. Segundo dados da Entidade Nacional para o Setor Energético (ENSE), os 315 postos de combustível da rede de emergência (REPA) tinham, em média, 35,65% da capacidade total de gasolina e 45,95% de gasóleo.

Faro é um dos casos mais preocupantes. Os 22 postos REPA do distrito tinham, esta manhã, 20,6% do 'stock' total de gasolina e 21,6% de gasóleo, sendo o caso onde o volume estava mais baixo. Também em Beja, o volume disponível estava abaixo dos 30%, com 27,9% de gasolina e 21,2% de gasóleo nos 11 postos incluídos na rede de emergência.

Nos restantes distritos, os volumes abaixo de um terço do total verificavam-se apenas em relação a gasolina, como no caso de Santarém, onde os 25 postos da rede estavam com 28,5%, ou em Bragança, onde existem quatro postos da REPA e que tinham 29,7% de gasolina disponível.

Requisição civil decretada no primeiro dia

Na segunda-feira, ao fim do primeiro dia de greve de motoristas, o Governo decretou a requisição civil, alegando o incumprimento dos serviços mínimos.

O secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, Tiago Antunes, após uma reunião do executivo por via eletrónica, justificou a medida depois de o Governo ter constado que os sindicatos que convocaram a greve dos motoristas de mercadorias e de matérias perigosas "não asseguraram os serviços mínimos", particularmente no turno da tarde.

A associação das empresas ANTRAM elogiou a decisão do Governo, considerando-a "socialmente responsável", segundo afirmou o porta-voz André Matias de Almeida. "O comportamento que o Governo teve agora é socialmente responsável", afirmou. Segundo adiantou o representante da ANTRAM nas negociações com os sindicatos, na segunda-feira à tarde alguns motoristas "simplesmente desapareceram" e não cumpriram os serviços mínimos.

A requisição civil permitirá também - com um despacho legal próprio - a intervenção de militares das Forças Armadas a conduzirem os camiões dos combustíveis, intervenção que se soma à já existente de agentes da PSP e da GNR.

O passo seguinte poderão ser processos disciplinares das empresas empregadoras aos motoristas que considerem não estar a cumprir os serviços mínimos, podendo as sanções chegar ao despedimento. E arriscam-se também a processos-crime por desobediência, com penas máximas até aos dois anos de prisão.

Serviços mínimos foram cumpridos, dizem motoristas

O porta-voz do sindicato que representa os motoristas de mercadoria geral diz que a decisão do Governo de decretar uma requisição civil se baseou em informação distorcida e garantiu que os trabalhadores cumpriram os serviços mínimos.

"O Governo decidiu [a requisição civil] com base em informação distorcida feita chegar pela ANTRAM [Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias] e não teve o mínimo cuidado de perceber o porquê de as cargas não estarem a ser efetuadas", afirmou à Lusa Anacleto Rodrigues.

Segundo adiantou o porta-voz do Sindicato Independente dos Motoristas de Mercadorias, a decisão foi baseada "no número de cargas feitas e não no número de trabalhadores ao serviço, já que o número de trabalhadores ao serviço foi de 100%".

O problema, referiu, é que as cargas estão a ser feitas "em comboio" e "isso agrava o tempo" que leva a concluir o serviço. "Uma coisa é um camião circular livremente. Chega ao parque em Aveiras, carrega e vai para o aeroporto. Outra coisa é uma caravana de vários camiões, em que o primeiro a carregar tem de ficar à espera de que o 12.º esteja carregado para depois partirem todos juntos. Isso agrava muito os tempos de viagem, de carga, de descarga", explicou.

"Com todos estes constrangimentos e com os trabalhadores a fazerem só oito horas, verificou-se que, afinal de contas, [os serviços mínimos estipulados] não chegavam", disse Anacleto Rodrigues.

Militares já podem operar veículos cisterna

Já foi publicada a portaria que prevê que os militares das Forças Armadas podem substituir "parcial ou totalmente" os motoristas em greve e a sua intervenção abrange operações de carga e descarga de veículos-cisterna de combustíveis líquidos, GPL e gás natural.

"A intervenção das Forças Armadas é realizada de forma gradual e acompanha o âmbito das portarias que efetivem a requisição civil", lê-se na portaria publicada em Diário da República na segunda-feira à noite e que é assinada pelos ministros da Defesa Nacional, João Gomes Cravinho, e do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes.

Na portaria, que estabelece os termos em que se efetiva a intervenção das Forças Armadas no âmbito da requisição civil dos motoristas em greve, é estabelecido que os militares podem "substituir, parcial ou totalmente" os trabalhadores em greve "e em incumprimento dos serviços mínimos".

"A intervenção das Forças Armadas abrange a realização de operações de carga e descarga de veículos-cisterna de combustíveis líquidos, gás de petróleo liquefeito (GPL) e gás natural, por parte dos militares que possuam o conhecimento das prescrições da regulamentação aplicável ao transporte de mercadorias perigosas", lê-se na portaria. Os meios necessário ao cumprimento dos serviços mínimos deve ser disponibilizados pelas empresas dos trabalhadores em greve, embora também possam ser utilizados "os meios próprios das Forças Armadas".

Segundo o que é estabelecido, as Forças Armadas podem ser mobilizadas até ao dia 21 de agosto, sendo que "o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, em coordenação com os Chefes do Estado-Maior da Armada, do Exército e da Força Aérea" é a autoridade responsável pela sua intervenção. O Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas deverá articular-se com a Secretária-Geral do Sistema de Segurança Interna para garantir a "escolta e proteção da intervenção" dos militares.

Militares a substituírem motoristas é uma "vergonha nacional"

Segundo o Ministério da Administração Interna, um total de 26 militares da GNR e sete elementos da PSP conduziram na segunda-feira 13 veículos para abastecer de combustível as regiões de Lisboa, Setúbal, Beja e Algarve, enquanto os sete elementos da PSP asseguraram o transporte de combustível em Lisboa, Setúbal e Sintra.

O advogado do sindicato de motoristas de matérias perigosas, Pardal Henriques, considera uma "vergonha nacional", e "um ataque violentíssimo à lei da greve", o Governo substituir motoristas que já cumpriram oito horas diárias de trabalho por militares.

Em declarações à agência Lusa, Pedro Pardal Henriques defendeu esta terça-feira que "substituir estas pessoas, que já garantiram o trabalho delas, e colocar militares a trabalhar da parte da tarde é uma vergonha nacional, é um ataque violentíssimo à lei da greve", acrescentando que "praticamente 100%" dos motoristas de matérias perigosas estão a ser escalados pelas empresas, "sem o conhecimento do sindicato", para começarem a trabalhar às 6:00.

"Depois não venham o senhor ministro ou o responsável da Antram [Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias] dizer que não existem pessoas para trabalhar da parte da tarde, porque elas já trabalharam de manhã, já esgotaram as oito horas de trabalho", acrescentou o assessor jurídico do Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP).

"É preciso ter habilitações para fazer descargas"

O presidente do Sindicato Nacional de Matérias Perigosas (SNMMP), Francisco São Bento, lembrou entretanto, esta terça-feira, que só os portadores do certificado ADR é que têm competência para fazer a descarga de combustível, nos postos de abastecimento.

"Para se poder fazer esses procedimentos, pelo menos a nós, profissionais do setor, são-nos exigidos vários tipos de formações e outras exigências, nomeadamente ser portador do ADR [Certificação de Matérias Perigosas]", disse Francisco São Bento à agência Lusa.

De acordo como dirigente sindical, caso se confirme a existência de casos de funcionários de postos de abastecimento a fazerem descargas sem o ADR está-se a cometer "uma ilegalidade", uma vez que existem procedimentos próprios durante a transfega de combustível.

Associação alerta para perigo de condução por profissionais não qualificados

A Associação Portuguesa de Segurança (APSEI) alertou também esta terça-feira que o transporte de combustíveis deve estar limitado a profissionais qualificados, para evitar acidentes como o de Tarragona, Espanha, em 1978, data em que passou a ser obrigatória uma certificação europeia.

"Todos os condutores que transportam mercadorias classificadas como perigosas, no transporte nacional ou internacional, estão obrigados a uma certificação de acordo com o definido no Acordo europeu relativo ao transporte internacional de mercadorias perigosas por estrada, cuja obrigatoriedade surgiu após um acidente ocorrido em Espanha em 1978, em Los Alfaques, Tarragona, com mais de 200 mortos", segundo a APSEI, a propósito da greve de motoristas.

As forças de segurança receberam formação para fazer o transporte de matérias perigosas de forma a reduzir o impacto da greve dos motoristas, que hoje cumpre o segundo dia, contudo criticaram a pouca formação que receberam.

No comunicado divulgado, a APSEI, através do seu Núcleo Autónomo de Segurança no Transporte de Mercadorias Perigosas (NAMP), refere que além da carta de condução e certificado de aptidão de motoristas (CAM) e da respetiva carta de qualificação de motorista (CQM), aqueles que fazem operações de transporte de mercadorias perigosas "têm de cumprir um conjunto adicional de requisitos de formação e qualificação que pretendem ser um garante da segurança no transporte".

Segundo a APSEI, para esta certificação, os condutores têm que frequentar um curso de formação base, com um mínimo de 18 sessões teóricas, com a duração mínima de 45 minutos e máxima de 60 minutos cada.

No entanto, para estarem aptos para o transporte em cisternas, acresce ainda uma formação de especialização com a duração mínima de 12 sessões, à qual, em ambos os casos, acresce uma formação prática, nomeadamente em matéria de combate a incêndios.

Greve por tempo indeterminado

A greve que começou na segunda-feira, por tempo indeterminado, foi convocada pelo Sindicato Nacional dos Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP) e pelo Sindicato Independente dos Motoristas de Mercadorias (SIMM), com o objetivo de reivindicar junto da Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias (ANTRAM) o cumprimento do acordo assinado em maio, que prevê uma progressão salarial.

A maioria dos motoristas de carga geral não aderiu, no entanto, à greve, segundo o sindicalista. "Os motoristas de carga geral gozam de uma outra liberdade" e "não aderiram com a força que aderiram os motoristas de matérias perigosas", referiu Pardal Henriques, porta-voz do SNMMP, acrescentando ainda que muitos dos associados trabalham em transportes internacionais, pelo que estão fora do país.

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