Lobo Antunes como Saramago: toda a Ibéria devia ser um só país

O escritor de 76 anos defendeu a um jornal espanhol o mesmo que o Nobel afirmou há 11 anos nas páginas do DN. Em 2007 houve um bruá imenso, agora nem um assomo, apenas o fervilhar das caixas de comentários dos jornais
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António Lobo Antunes disse agora o mesmo que José Saramago há 11 anos, mas não se ouviu nem um assomo - apenas o fervilhar das caixas de comentários dos jornais - quando em 2007 houve um bruá imenso, amplificado por políticos e comentadores.

Em entrevista ao La Vanguardia , de Barcelona, na outra ponta da Ibéria, Lobo Antunes, 76 anos, foi até mais longe que Saramago, em termos políticos. "Não consigo descobrir muitas diferenças entre a gente da península, somos a mesma coisa, temos a mesma maneira de reagir, embora se coma melhor na Catalunha do que em Portugal. É uma pena que não sejamos o mesmo país, todos os ibéricos. Filipe II de Espanha e I de Portugal tinha todo o direito de ser nosso rei, era neto do monarca legítimo", atirou o autor do recente A última porta antes da noite.

Há 11 anos, já quando vivia em Lanzarote, nas Canárias, num "exílio" político, José Saramago sentou-se no sofá na sua casa de Lisboa e prognosticou um futuro para Portugal ao DN: "Não vale a pena armar-me em profeta, mas acho que acabaremos por integrar-nos." E questionado de que forma, explicou-se: "Culturalmente, não, a Catalunha tem a sua própria cultura, que é ao mesmo tempo comum ao resto da Espanha, tal como a dos bascos e a galega, nós não nos converteríamos em espanhóis."

Numa resposta longa, Saramago definia a jangada de pedra que já vivíamos: "Quando olhamos para a Península Ibérica o que é que vemos? Observamos um conjunto, que não está partida em bocados e que é um todo que está composto de nacionalidades, e em alguns casos de línguas diferentes, mas que tem vivido mais ou menos em paz. Integrados o que é que aconteceria? Não deixaríamos de falar português, não deixaríamos de escrever na nossa língua e certamente com dez milhões de habitantes teríamos tudo a ganhar em desenvolvimento nesse tipo de aproximação e de integração territorial, administrativa e estrutural."

Sacudindo os reparos à chamada invasão espanhola na economia, que na altura era notícia regular na comunicação social, Saramago comparava com o facto de "alguma vez termos reclamado de outras economias como as dos Estados Unidos ou da Inglaterra, que também ocuparam o país". "Ninguém se queixou, mas como desta vez é o castelhano que vencemos em Aljubarrota que vem por aí com empresas em vez de armas...", criticava.

À pergunta do DN, sobre se Portugal seria então mais uma província de Espanha, o escritor que tinha vencido o Nobel da Literatura, em 1998, respondeu afirmativamente. "Seria isso. Já temos a Andaluzia, a Catalunha, o País Basco, a Galiza, Castilla la Mancha e tínhamos Portugal. Provavelmente [Espanha] teria de mudar de nome e passar a chamar-se Ibéria. Se Espanha ofende os nossos brios, era uma questão a negociar."

Antecipando que os portugueses aceitariam a integração, "desde que isso fosse explicado", Saramago defendia que não seria "uma cedência" a Espanha, nem significava "acabar com um país", apenas "continuaria de outra maneira". "Repito que não se deixaria de falar, de pensar e sentir em português", atirava.

Para o escritor, que morreu em 2010, no governo da Ibéria "haveria representantes dos partidos de ambos os países, que teriam representação num parlamento único com todas as forças políticas da Ibéria, e tal como em Espanha, onde cada autonomia tem o seu parlamento próprio", Portugal também teria o seu. "Não iríamos ser governados por espanhóis", defendia.

Num bloco central de escritores, Manuel Alegre e Vasco Graça Moura criticaram as afirmações de Saramago. Segundo Alegre, "ele tem direitos mas também tem deveres", depois de ter ganho o Nobel a escrever "na língua de Camões". E o histórico socialista, parecendo esquecer que Saramago tinha ressalvado o aspeto da língua e da cultura, acrescentou: "Tem um dever para com a sua língua e uma responsabilidade, que é ter ganho na língua portuguesa o Nobel da Literatura. Ele não é um escritor castelhano, é um escritor português. Tal como ele, também não sou profeta mas Portugal como pátria é mais antigo que o Estado espanhol." E a rematar, sentenciava que o admirava como escritor mas não gostou das suas declarações.

Ao lado, Graça Moura aplaudia a afirmação pela polémica, não pela proposta. "Penso que ele não tem razão mas acho saudavelmente polémico pôr as coisas neste plano. Não perdemos nada em fazer uma reflexão sobre isso. O iberismo tem uma tradição longa em Portugal. Daí a considerar que não temos condições de ser independentes vai uma distância enorme."

Meio mundo aplaudiu Saramago. No jornal La Voz de Galicia - da mesmo província onde uma banda de música, Os Resentidos, tinha gravado um álbum com o título Vigo, capital Lisboa - os leitores dividiam-se entre o "nunca, jamais" e o "extraordinário, estupendo" e 62% dos que se deram ao trabalho de responder a um inquérito online apoiavam essa união. Se o jornal El País noticiava a "utopia ibérica", os ingleses do Independent notavam que "a profecia de Saramago agrava a longa rivalidade entre vizinhos que partilham a fronteira mas que voltam as costas um ao outro".

Para a correspondente do jornal britânico, os portugueses "não perdoam a Saramago, militante comunista, a rebeldia anti-establishment e que tenha abandonado a pátria para viver em Espanha".

Talvez seja isto, 11 anos depois, que explique ainda a (in)diferença com que as palavras de António Lobo Antunes foram agora recebidas.

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