Racismo e tortura na PSP. "Estes polícias são corajosos e resistentes"

O ex-comandante da Divisão da Amadora à data da alegadas agressões de que estão acusados 17 agentes da esquadra da PSP de Alfragide temeu reação violenta da Cova da Moura.
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"São corajosos, resistentes e preparados", garante o ex-comandante da Divisão da Amadora sobre os agentes acusados de terem sequestrado, torturado e agredido violentamente, motivados pelo ódio racista, seis jovens do bairro Cova da Moura, na esquadra de Alfragide, que pertence a esta Divisão.

Em declarações esta sexta-feira de manhã, no Tribunal de Sintra, onde os 17 polícias estão a ser julgados, o intendente Luís Pebre, que liderou aquela Divisão entre 2012 e 2017, afastou ainda qualquer sentimento "racista ou xenófobo" do perfil daqueles profissionais. "Se isso fosse verdade, não estávamos a falar apenas de um caso, mas mas de centenas de ocorrências em que intervém todo o ano. Isso não é o padrão da Divisão, não é o padrão da PSP", sublinhou.

Sobre o dia 5 de fevereiro de 2015, propriamente dito, confirmou os testemunhos dos arguidos - que o MP diz serem falsos - sobre a sequência da intervenção policial: carrinha da polícia apedrejada no bairro, detenção de um jovem, moradores a reagir contra os agentes, um grupo de 10 jovens que invadiram a esquadra e detenção de seis.

Contou que teve "informação de que havia ajuntamentos no bairro" e que receou uma reação mais violenta dos moradores, "face aos antecedentes" naquela zona. Pediu reforços e estiveram de prevenção cerca de 40 operacionais do Corpo de Intervenção.

Quando o procurador do MP quis saber de que "antecedentes" estava a falar, uma vez que não havia notícia de outras invasões de esquadras naquela área, o intendente indicou duas situações, que, no seu entender, serviam de exemplo para as reações mais agressivas contra a polícia naqueles bairros.

"Uma vez, um grupo de moradores tirou um detido à força de um carro da polícia e ele fugiu algemado", descreveu. Outra situação, foi um caso em que os moradores "acharam que um jovem tinha sido morto pela polícia, mas tinha morrido de uma doença congénita, a população bloqueou as ruas com pneus e ainda incendiou um prédio".

Luis Pebre não teve, por isso, dúvidas em pedir reforços. "Quando me disseram que havia ajuntamentos pedi apoio. Quem tem coragem de ir a uma esquadra com 10 ou 50, pode fazer muito pior. São padrões de ação daquela zona da Amadora", afiançou.

"Coisas que metem medo"

Questionado pela defesa dos polícias sobre se, conhecendo aqueles agentes, seriam capazes de "torturar e agredir violentamente", o oficial negou veementemente. "São pessoas que têm um grande espírito de resistência face a múltiplas ocorrências parecidas que resolvem com grande sensibilidade. Há ali coisas que metem medo. Contamos uns com os outros.", assegurou.

Vestido à civil - Pebre é atualmente oficial de ligação da PSP no Ponto Único de Contacto para a Cooperação Policial Internacional do Sistema de Segurança Interna - o oficial partilhou com o coletivo a sua experiência dos anos em que conviveu com os bairros a que chamou "sensíveis" da Amadora

A avaliar pelo seu testemunho, a maior parte não são boas memórias. A única recordação positiva que destacou da sua interação com os moradores, foi, logo a seguir à tomada de posse, quando visitou a Associação Moinho da Juventude - distinguida pela Assembleia da República com o prémio de Direitos Humanos.

"Reconheço o trabalho social muito meritório que fazem. É excelente e fundamental para o bairro", salientou. Entre os seis jovens alegadamente agredidos estão dois mediadores culturais desta Associação (Flávio Almada e Celso Lopes). Um deles pertencia aos seus órgãos sociais.

Mas "há a outra vertente" da sua impressão. "A primeira vez que fui ao bairro à noite, o carro patrulha onde eu estava foi apedrejado e um dos vidros partidos", contou. E foi essa imagem que mais o marcou, tendo em conta as palavras que escolheu para descrever ao coletivo de juízes a sua avaliação. "Há sempre situações de apedrejamento, emboscadas, simulação de acidentes em que se mandavam equipas e eram apedrejadas, cocktails molotov à nossa espera. É um bairro sensível em relação a nós", assinalou.

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