"É preciso ir mais longe que descriminalização do consumo", diz ex ministro da Saúde Paulo Macedo
Reconhecendo que se têm registado avanços significativos nas políticas de combate ao uso ilícito de drogas "designadamente em Portugal em 2001" -- referindo assim a descriminalização do consumo das ditas substâncias, levada a cabo pelo executivo de António Guterres naquela data --, o ministro da Saúde do governo Passos afirma que "a evidência demonstra que as políticas públicas precisam de ir mais longe".
E prossegue: "Para além da doença associada às drogas ilegais - hepatite C e Sida, e ao número de anos de vida perdidos, temos também a doença que este fenómeno traz para a sociedade (crime, violência, corrupção, financiamento de atividades terroristas...). Não há contradição entre ser anti "drogas" e pró-reforma das políticas públicas relativas à droga."
Em defesa dessa reforma, Paulo Macedo aponta "os ganhos em saúde" e "o crescimento da economia" mas frisa que "desiderato último" é "proporcionar uma melhor qualidade de vida global aos cidadãos seja ou não através dos índices de felicidade".
Este contributo do gestor, ex diretor-geral dos Impostos e atual presidente da Caixa Geral de Depósitos, que se define politicamente como "independente" mas é conotado com o centro direita cristão, foi apresentado num encontro privado ocorrido em Lisboa esta segunda-feira, presidido pelo ex presidente da República Jorge Sampaio e sob a égide da Global Commission on Drug Policy (GCDP), organização internacional independente que defende o fim do proibicionismo e a legalização e regulação do acesso às substâncias denominadas como "drogas" e da qual fazem parte 14 ex chefes de Estado (incluindo o brasileiro Fernando Henriques Cardoso e o timorense Ramos-Horta) e quatro prémios Nobel.
O encontro, uma iniciativa de Jorge Sampaio e sob o título "Política de drogas - o futuro", no qual, além do ex presidente português, estiveram presentes outros dois membros da GCDP -- a respetiva presidente, Ruth Dreifuss, política social democrata suíça que dirigiu o país em 1999, e o médico e cientista francês Michel Kazatchkine, ex diretor do Fundo Global de Luta contra a sida, tuberculose e malária, e em 2012 nomeado Enviado Especial da ONU para o combate ao HIV/Sida na Europa de Leste e Ásia Central - teve lugar no âmbito da reunião anual da comissão, que ocorreu em Lisboa no mesmo dia, estando agendada para esta tarde a apresentação mundial do seu relatório Classificação das Substâncias Psicoativas (no qual se propõe que a política de drogas se afaste da criminalização e da penalização e aposte na regulação e informação).
O intuito de Jorge Sampaio foi proporcionar um encontro "com a sociedade civil portuguesa", congregando, de acordo com o convite enviado aos participantes, "especialistas, personalidades de diferentes setores e opinion makers que trabalhem ou tenham tido intervenção nas discussões sobre a necessidade de reformas nas políticas de drogas e mesmo a favor de políticas de regulação legal", para "recolher opiniões, ideias e recomendações sobre os desafios atuais e futuros das políticas em matéria de drogas que permitam alimentar a reflexão por forma a manter Portugal na linha da frente."
Entre os convidados, além de Paulo Macedo, que não pôde estar presente, estavam o ex presidente da Assembleia da República Jaime Gama, a procuradora-geral adjunta Maria José Morgado, o penalista e ex provedor de Justiça (2013/2017) Faria Costa, o presidente do SICAD, João Goulão, o advogado e comentador do DN e RTP João Taborda da Gama, assim como médicos e ativistas de várias organizações. A sessão teve lugar na Casa dos Bicos e foi organizada pelo Grupo de Ativistas em Tratamentos (GAT) e pelo seu presidente, Luís Mendão.