Aumento da sinistralidade. Pouca fiscalização e fim da crise explicam mais mortes

Acidentes rodoviários voltaram a subir, incluindo os atropelamentos. Arrastar de processos nos tribunais e demora na retirada da carta a quem atinja os 12 pontos "ajudam" ao sentimento de impunidade. Ministério diz que há 500 automobilistas prestes a perder licença.
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Pouca visibilidade da polícia nas estradas, a sensação de que o sistema de cassação da carta de condução a quem atinja 12 pontos por cometer infrações graves ou muito graves não funciona devido ao arrastamento dos processos em tribunal e os "anúncios" do fim da crise económica levando a que mais pessoas utilizassem o carro.

Estas são as três explicações possíveis para o aumento de acidentes e de mortes nas estradas nacionais em 2018, prosseguindo uma subida que já se tinha registado em 2017 (510 mortes - 445 em 2016). De acordo com os dados conhecidos até dia 31, faltando ainda 24 horas da Operação de Ano Novo da GNR, nas vias nacionais já tinham morrido 517 pessoas, incluindo os contabilizados nas áreas sob responsabilidade da PSP.

Outro dado preocupante é o do aumento de mortes por atropelamentos. Neste particular os dados da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária consultados pelo DN indicam que entre janeiro e 30 de setembro de 2018 morreram 69 pessoas por atropelamento (dentro e fora das localidades), mais 14 do que no ano anterior. Desde 2009, só três anos têm um cenário pior: 2009 (87), 2011 (77) e 2016 (79), em 2013 registavam-se em setembro também 69 atropelamentos mortais.

Para o Ministério da Administração Interna estes números, em que não estão incluídas as mortes no período de 30 dias - de pessoas que são hospitalizadas na sequência de acidentes -, são "naturalmente preocupantes", acrescentando que "o número de mortos a 24 horas está muito próximo do ano passado, tendo-se registado cerca de cem feridos graves a menos [de janeiro a 21 de dezembro registaram-se em 2017 e 2018 respetivamente, 2140 e 2046 feridos com gravidade)".

Quanto à penalização aos condutores frisa que há 500 automobilistas cujos processos para lhes ser retirada a licença de condução estão em instrução e outros 118 a quem foi mesmo tirada desde 2016 - quando entrou em vigor este sistema.

"A sinistralidade baixou nos anos de crise [2010-2015], período em que houve necessidade de uma maior contenção, e isso influenciou os comportamentos nas estradas. A velocidade baixou e o número de quilómetros percorridos também. Agora com o sinal de alívio dessa crise tudo 'explodiu'", frisou ao DN Manuel João Ramos, presidente da ACA-M (Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados).

Também a sensação de que existe "uma incapacidade por parte da administração em responder aos maus comportamentos" ajuda à existência de mais manobras proibidas nas estradas. "A carta por pontos não funciona, há um elevado nível de prescrição das coimas, os processos judiciais continuam atrasados", enumera, para concluir: "Há uma maior sensação de impunidade."

Tese em que é apoiado por José Alho, presidente da Mesa da Assembleia Geral da Associação Sócio-Profissional Independente da Guarda, que defende a necessidade de voltar a existir uma brigada de trânsito dentro da GNR - extinta em 2009 na sequência de vários casos relacionados com corrupção na unidade.

"Os comandantes territoriais não conseguem meios. Com a reativação da brigada tínhamos um comando único e uma coordenação nacional. António Costa já reconheceu que essa decisão tomada enquanto foi ministro da Administração Interna foi errada. Por isso reponha", frisa em declarações ao DN.

A falta de meios leva a que haja, garante, pouca fiscalização: "Há distritos onde não há uma patrulha de trânsito à noite. E hoje é difícil encontrar autos por manobras efetivamente perigosas, como ultrapassagens irregulares, não respeitar o sinal de STOP ou pisar o risco contínuo, por exemplo. Além da utilização do telemóvel, agora o telefone já nem se usa para falar é para consultar as redes sociais."

Também Manuel João Ramos destaca a pouca visibilidade da polícia nas vias nacionais. "A Unidade Nacional de Trânsito não tem a mesma capacidade que a Brigada de Trânsito tinha. Os índices de fiscalização são ridículos, de tão baixos. Temos distâncias entre patrulhas de 150 quilómetros, no norte da Europa é de 20/30 quilómetros e em Espanha de 40/50", sublinha.

No entanto, o Ministério da Administração Interna tem uma visão diferente em relação aos primeiros dez meses de 2018 em relação ao período homólogo: "O registo de autos aumentou 82%, os autos decididos aumentaram 123% e as prescrições diminuíram 75%."

Mais zonas a 30 km/h

Questionado pelo DN sobre os dados na sinistralidade e os projetos para reduzir as mortes de maneira que Portugal cumpra o objetivo de chegar a 2020 com 399 mortes até aos 30 dias após os acidentes, fonte do Ministério da Administração Interna salienta que "com o objetivo de incentivar e promover a instalação das 'zonas de coexistência' e 'zonas 30' [a velocidade máxima em determinado local] foram já aprovadas e difundidas normas técnicas de aplicação pela ANSR junto dos municípios e de outros gestores de via. Também em termos estruturais foi aprovado e publicado o Programa de Proteção Pedonal e de Combate aos Atropelamentos que visa operacionalizar uma intervenção mais abrangente, identificando grupos e fatores de risco, medidas para a sua mitigação, agentes envolvidos e as ferramentas necessárias às intervenções".

No âmbito destas intervenções também foram efetuadas 120 avaliações a locais onde se registaram muitos acidentes - vulgo pontos negros - "nas comunidades intermunicipais da Lezíria do Tejo, Médio Tejo, Algarve e Leiria. Os planos intermunicipais são da responsabilidade das CIM e estão em diversos estados de elaboração. Estão estabelecidos contactos com a CCDR do Alentejo para assinatura de um protocolo de colaboração com as 4 CIM (Alto Alentejo, Baixo Alentejo, Alentejo Litoral e Alentejo Central)".

Radares e 500 condutores quase sem carta

A colocação de radares é outro ponto que merece críticas por parte do presidente da Associação dos Cidadãos Auto-Mobilizados. "Em 2008 foram prometidos mais de 300 radares. O Plano Estratégico Nacional de Segurança Rodoviária [PENSE 2020] refere 150 e destes não estão instalados 50 - ou seja, as caixas estão, mas como são móveis não se sabe se lá está o radar ou não", diz Manuel João Ramos.

Neste ponto, o MAI explica que a "Infraestruturas de Portugal procedeu a trabalhos de modernização e compatibilização com o Sistema Nacional de Controlo de Velocidade (SINCRO) nos oito radares que possui na VCI e instalou dois novos radares na EN118. Tal como está previsto nas grandes Opções do Plano para 2019 já aprovadas pela Assembleia da República, no primeiro semestre de 2019 será apresentado o projeto de instalação de novos locais de controlo de velocidade, alargando o SINCRO".

Quanto aos dados referentes à retirada de carta de condução após o condutor atingir os 12 pontos, o MAI frisa que desde 2016 já ficaram sem licença 118 automobilistas e que "aproximadamente 500 estão em risco de a perder, pois já esgotaram os 12 pontos, estando em curso a instrução dos processos de cassação".

Investimentos de 186 milhões em vias

Segundo o MAI, este ano será "fundamental para a implementação do PENSE 2020, com a concretização de várias medidas, com destaque para o lançamento da medida Concurso Plurianual de Prevenção e Segurança Rodoviária, promovendo o envolvimento de organizações não governamentais em ações e projetos de prevenção e segurança rodoviária inovadores que contribuam para a redução da sinistralidade".

Neste cenário, o governo prevê investir 186 milhões de euros nas rodovias, a que se juntarão os contratos anuais de segurança rodoviária e de conservação da responsabilidade da Infraestruturas de Portugal, no valor de 51 milhões anuais.

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