As buscas, os telemóveis apreendidos e o presidente que nega fraudes
O presidente da Câmara de Pedrógão Grande insiste na regularidade dos processos de reconstrução das casas ardidas, mesmo depois das buscas da Polícia Judiciária, que decorreram durante o dia de ontem. Valdemar Alves recebeu os inspetores da PJ ao princípio da manhã, e durante todo o dia assistiu às diligências, entre o edifício da Câmara e a Casa da Cultura, onde funciona o Gabinete Operacional de Recuperação e Reconstrução (GORR).
"Para mim não há irregularidades. Os fundos foram entregues a entidades idóneas, que os geriram. Estou tranquilo. Desvios é impossível haver", disse o autarcas aos jornalistas no final do dia, quando confirmou que a PJ lhe apreendeu os seus telemóveis e os que eram utilizados pelos técnicos do gabinete, bem como algum material informático. Os inspetores levaram para análise todos os processos relativos à reconstrução das casas, uma investigação (a cargo da diretoria do Centro, Coimbra), que surge na sequência do inquérito que o Ministério Público abriu, em junho, na sequência de uma reportagem da revista Visão, revelando que estavam a ser reconstruídas casas de segunda habitação, com recurso a alteração de moradas fiscais.
Porém, seria em final de agosto que uma outra reportagem, da TVI, viria a mostrar ao país diversos casos concretos (alguns de familiares de autarcas) de casas que supostamente não arderam, já estavam devolutas, e estão a ser reconstruídas mesmo antes de outras, de primeira habitação. Porém, o presidente da Câmara continua a desmentir as imagens televisivas, afirmando que "todas eram de primeira habitação". "Não tenho dúvidas em afirmar. Admito que se venha a provar que uma ou outra poderá não ser... mas aquelas que encaminhei para o fundo REVITA e outras instituições com certeza que são de primeira habitação", sublinha Valdemar Alves, ao mesmo tempo que faz uma ressalva: só começou a fazer parte da comissão técnica do REVITA a partir de novembro ou dezembro do ano passado.
Logo depois da entrada dos inspetores na Câmara, o autarca emitiu um comunicado onde justificava a presença da PJ como sendo a pedido da própria autarquia. Ou seja, "na sequência dos pedidos de Inquérito Judicial solicitados pela Câmara de Pedrógão ao Ministério Publico (através da CDRC, Comissão de Desenvolvimento Regional do Centro)".
Ao final do dia, Valdemar Alves considerava que os inspetores chegaram a Pedrógão já "bem documentados". "Em boa hora vieram, foi um desejo da câmara e da CCDR para ajudar a clarificar as coisas. A lei são eles. Todos nós agora vamos tentar manter o sigilo, o segredo de justiça e proteger o bom nome das pessoas", afirmou o autarca, revelando que para além "dos processozinhos - aqueles que têm sido falados na comunicação social", ele próprio lhes disse "para levarem mais".
As buscas da PJ prendem-se exclusivamente com a reconstrução das casas no concelho de Pedrógão Grande. E apesar de insistir na regularidade dos processos, o presidente da Câmara sabe que o próximo passo pode bem ser ver-se constituído arguido. "Já sou noutros, não tenho problema nenhum nisso. É um erro do nosso código de processo penal, esse de constituir as pessoas como arguidas", considera. Quanto ao processo, Valdemar Alves entende que haverá duas hipóteses: "ou houve mesmo crime, ou pode haver uma irregularidade administrativa. Admito que venha a aparecer isso, e mais nada. Fraude nunca pode haver".
As declarações do autarca foram consentâneas com as que dera aos jornalistas na segunda-feira passada, no final da reunião extraordinária da Assembleia Municipal, convocada para explicar a aplicação dos fundos. Ao contrário do que vai sendo sugerido numa petição online, que apela à demissão do executivo municipal, essa é uma hipótese que não pondera: "Não há razão para isso. Isso seria trair a maioria dos pedroguenses que votaram em mim. Se houvesse desvios, eu tinha que ter vergonha na cara e ir-me embora. Mas não." O que vai fazer - isso sim - é "pedir responsabilidades aos funcionários da Câmara, em quem depositava total confiança. A Câmara não tinha pessoal disponível, tive que contratar um engenheiro e duas técnicas para ajudar as vítimas a preencher a papelada", revela.
O autarca - que antes de chegar à Câmara foi ele próprio inspetor da Polícia Judiciária - acredita que se avizinha "uma caminhada longa", do ponto de vista processual, mas também política. "Eu próprio vou fazer os meus inquéritos. Vou matar saudades. Vou também fazer de investigador agora".