Ilegalidades são tantas que segurança privada teve de criar "certificado" para quem cumpre a lei

A Associação de Empresas de Segurança critica a "inércia" e "complacência" do Estado que contrata a "preço de saldo" mas perde mais de 30 milhões de euros por ano. A situação é grave ao ponto de ter de ser criado um certificado de qualidade para quem cumpre a legislação

Esta "guerra" da segurança privada parece não ter fim: conseguir que as empresas cumpram a lei quando é o próprio Estado a fechar os olhos às ilegalidades não tem sido tarefa fácil nos últimos anos. Desta vez a Associação de Empresas de Segurança (AES), presidida por Rogério Alves, que representa cerca de 55% do setor, decidiu dar a volta por cima. E por cima quer dizer pela "qualidade" criando um sistema de certificação o qual, através de uma auditoria, distinguirá aqueles que cumprem as regras. Estão registados oficialmente cerca de 55 mil seguranças privados no nosso país, mais do que o total das polícias.

"Considerando a grave situação que se vive no setor, onde proliferam irregularidades de toda a ordem perante a complacência do próprio Estado, quer enquanto regulador, quer enquanto cliente, esta iniciativa da AES pretende estabelecer um claro elemento de diferenciação já que apenas serão certificadas as empresas que cumpram, comprovadamente, todas as suas obrigações legais e contratuais", sublinha a associação.

Um dos "cavalos de batalha" tem sido a denúncia dos contratos que o Estado faz a preço de saldo, como foi exemplo o ministério da Justiça. Com a justificação de poupar ao erário público, são escolhidas as empresas que apresentam contratos de mais baixo valor. Este critério, assinala a AES "quase nunca corresponde a uma situação regular. Basta fazer as contas!". Para oferecer preços mais baixos, as empresas aumentam a carga horária dos trabalhadores sem a pagar e sem a declarar, não sendo esse tempo contabilizado para efeitos de impostos e segurança social.

E as contas da associação são estas: "Pela sua inércia e por não aplicar as leis que aprova, o Estado deixa escapar cerca de 30 milhões de euros por ano em impostos e contribuições para a Segurança Social. Além disso, o trabalho não declarado impede a criação de mais de 4000 novos postos de trabalho diretos no setor e impede a dignificação da função de vigilante e o pagamento de remunerações mais adequadas".

E mais estas: "entre janeiro de 2015 e fevereiro de 2016, 69 concursos públicos, no valor global de 36,5 milhões de euros, foram ganhos por empresas que apresentaram preços que não cobriam os custos mínimos legais correspondentes aos postos de trabalho em causa. Isso só foi possível através do recurso ao trabalho não declarado. Só não o vê quem não quiser!", explicou ao DN fonte oficial da AES.

Auditorias anuais

O "carimbo" de garantia será atribuído pela AENOR - uma consultora internacional com competências para a certificação de qualidade - com quem a AES celebrou um protocolo. "Desta forma estamos a aumentar o grau de exigência para as empresas que atuam num mercado que tem sofrido bastante, principalmente devido ao trabalho não declarado. No papel, todas as empresas têm de cumprir os requisitos legais para exercerem a sua atividade, mas a realidade diz-nos que não é assim. Há empresas que sistematicamente violam a lei e o Contrato Coletivo de Trabalho, tornando o mercado pouco transparente. Esta certificação, atribuída por uma empresa de reconhecido prestígio internacional, no seguimento de um processo de auditoria escrupuloso e exigente, vem distinguir pela positiva as empresas que comprovadamente cumprem todas as obrigações legais e contratuais", assinalou o mesmo porta-voz.

A AES garante que a iniciativa "não vai discriminar" empresas que não integrem a associação pois "destina-se a todas quantas atuem no mercado português e não têm nada a esconder, apresentando-se como empresas que cumprem e promovem boas práticas laborais. Quanto mais empresas certificadas existirem melhor será!"

Este certificado poderá ser apresentado nas comunicações ao mercado, garantido "ao potencial cliente, seja ele do setor público ou do privado, que está perante uma empresa que cumpre todas as suas obrigações para com os trabalhadores e para com o Estado. Desse modo, o processo de contratação será mais escrupuloso e socialmente mais responsável".

Para obter esta certificação, adianta ainda a associação, "as empresas são sujeitas a uma meticulosa auditoria que analisa um conjunto de requisitos relacionados com a qualidade de emprego, a qualificação profissional, a qualidade de serviço ao cliente, o cumprimento do Contrato Coletivo de Trabalho, do Código de Trabalho e do Regime Jurídico de Segurança Privada, bem como o pagamento de impostos e contribuições". O certificado tem a duração de três anos, mas as empresas serão sujeitas a auditorias anuais de seguimento, para "garantir que os pressupostos se mantêm ao longo do tempo".

Questionada sobre qual a estimativa da percentagem de empresas que estariam em condições de receber este certificado, a AES diz não estar "em condições de dar uma resposta com base minimamente credível". "Uma coisa é certa", afiança, "quantas mais empresas de segurança obtiverem a certificação, melhor será para o País, para o setor, para as empresas cumpridoras e para os milhares de trabalhadores que sustentam esta atividade".

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