Cristina Tavares: "Puseram-me a montar a mesma palete vezes sem conta. Um trabalho humilhante."

Cristina Tavares, a funcionária da corticeira Fernando Couto, que está em casa após ter sido alvo de processo disciplinar, sonha em regressar ao seu posto de trabalho. "Só quero ter novamente paz e que me deixem trabalhar», afirmou em entrevista ao DN
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Cristina Tavares, 47 anos, é mãe de um jovem de 21 anos, a quem foi diagnosticado o Síndrome de Asperger, com défice de atenção e hiperatividade. A mulher, natural de Santa Maria de Lamas, é o grande apoio do filho. "O meu filho ainda estuda. Está no 12º ano porque a doença limitou-o bastante. Sou divorciada e vivemos um para o outro", conta ao DN. A sua cara e a sua história tornaram-se conhecidas esta semana quando se soube que a Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) tinha multado a corticeira Fernando Couto em 30 mil euros dando-lhe razão. Cristina queixava-se de ter sido obrigada a carregar e descarregar uma palete sempre com os mesmos sacos.

Começou a trabalhar com apenas 13 anos, deixando para trás os estudos. Hoje resume a vida em duas palavras: filho e trabalho. Divorciada, tem sido pai e mãe do filho, que apesar de já ser maior de idade, precisa de muitos cuidados. No decorrer da entrevista, ao lado do presidente do Sindicato dos Operários Corticeiros do Norte (SOCN), Alírio Martins, não conseguiu esconder o momento "difícil" que está a atravessar. Cristina Tavares foi readmitida na empresa em maio deste ano, por ordem do Tribunal da Relação do Porto, depois de ter sido despedida.

"Nestes últimos três anos, desde que o meu filho foi operado às costas, a nossa vida é feita de provações. Tudo piorou quando a empresa começou a querer mandar-me embora", diz ao DN.

Questionada sobre o que levou a uma mudança de atitude por parte da entidade laboral, Cristina ressalvou já ter 9 anos de casa, sem qualquer "chamada de atenção". Segundo a funcionária, os problemas no emprego começaram, em 2016, quando esteve dois meses de baixa. "O meu filho foi operado à coluna por causa de uma escoliose. Nesse tempo, estive a acompanhá-lo e aproveitei para fazer fisioterapia", recordou. Cristina Tavares sofre de doença do trabalho (tendinite e dores nas costas). Quando regressou ao serviço e após paragem no tratamento que estava a realizar, voltou a sentir "dores muito fortes", que a levaram a ter de ficar de baixa mais um mês. «Fui chamada, nessa altura (julho de 2016) à empresa para me comunicarem a extinção do meu posto de trabalho. Contudo, isso não era verdade. Continuei, por isso, a apresentar-me ao serviço mal a baixa terminou», explicou. A partir daí, a funcionária diz ter sido alvo de assédio.

«Puseram-me a montar a mesma palete vezes sem conta. Um trabalho repetitivo e humilhante. Puseram-me ainda no exterior a fazer uma função que não é a minha. Deixei de poder utilizar o WC dos funcionários, tendo que usar um no exterior, entre outras atitudes humilhantes», referiu. Até ao momento de "rutura" com a empresa, a funcionária assumia o papel de "alimentadora-recebedora", alimentando vários tipos de máquinas com matéria-prima, como as que fazem as rolhas das garrafas.Ao DN confessou que lhe pedem, muitas vezes, para varrer a zona onde antes trabalhava. "Quando vou varrer os colegas param de trabalhar e ficam a olhar para mim. Está ali o meu local de trabalho, mas não me deixam voltar", contou.

Cristina Tavares diz estar com depressão e crises de ansiedade, tendo perdido muito peso. "O médico diz que não há nada que justifique a minha perda de peso. É tudo por causa da ansiedade, mas eu não vou desistir. Vou até ao fim para lutar pelos meus direitos", avança. Diz não querer um acordo para despedimento, mas sim voltar ao seu lugar e trabalhar como sempre fez. Conta que já ponderou, por momentos, baixar os braços. "Tive momentos em que achei que não tinha mais forças, mas tenho tido muito apoio. Do meu filho e da minha mãe que, apesar de ter 80 anos, me diz para ir para a frente com isto", explicou. O filho da operária também está "a sofrer muito". "Tem sido duro para mim, mas para o meu filho também. As pessoas com Síndrome de Asperger são mais sensíveis ao estado de espírito dos que lhe são mais próximos. Ele acabou por ter mais problemas por causa do que tenho vivido nestes últimos meses".

Cristina Tavares não tem pudor em dizer que tem chorado muito. «Sinto-me humilhada e choro muito. Às vezes escondo-me no trabalho para chorar. Emagreci seis quilos por estar sempre ansiosa. Tenho rezado muito para que tudo isto acabe e eu volte a ter uma vida normal a trabalhar e a cuidar do meu filho. Ainda há dias adormeci com um terço nas mãos», concluiu.

A operária já passou por um despedimento coletivo, em 2008, sendo uma das 70 pessoas que perderam o posto de trabalho na altura. Uma época marcante, que não quer repetir. «Tudo o que mais quero é poder trabalhar e o meu posto de trabalho não foi extinto como a empresa alegou. Mas se me quiserem dar outra função também aceito, como sempre disse. Com a minha idade sou nova para a reforma e velha demais para recomeçar», afirmou.

Empresa abre processo disciplinar por difamação

A Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) levantou um auto à empresa, que foi condenada a pagar 31 mil euros de multa. Dois dias depois de se saber da decisão da ACT, na passada quarta-feira, a Corticeira Fernando Couto (que não quis prestar declarações ao DN) informou a funcionária de que tinha "um processo disciplinar por difamação", tendo sido "suspensa preventivamente sem perda de renumeração". Cristina Tavares diz ter sido "apanhada de surpresa". "Quando lá cheguei, na quarta, disseram-me para arrumar as minhas coisinhas e ir embora". Aguarda agora a nota de culpa, sem saber se irá, ou não regressar ao trabalho. O Natal vai ser "mais um momento duro" para a funcionária, que sabia que iria trabalhar nesse período. "Obrigaram-me a gozar as férias todas em agosto e ia ser a única a trabalhar no Natal. Quer vá, quer não vá, não vai ser uma época feliz", sublinha.

Vigília preparada

O Sindicato dos Operários Corticeiros do Norte (SOCN) está a preparar uma vigília, que acontecerá nos próximos dias. Com cerca de 8 mil operários na área, o sindicato acredita que muitos irão marcar presença para se solidarizarem com a colega.

"Queremos chamar à atenção para este problema. Há muitos funcionários que passam por isto, mas que desistem porque não aguentam a pressão", explica ao DN Alírio Martins., presidente do SOCN. O mesmo responsável adiantou ainda que existe um processo-crime no DIAP de Santa Maia da Feira por assédio moral à Cristina Tavares. Alírio Martins relembrou, também, que «a trabalhadora em causa foi trabalhar para a empresa recomendada pelos anteriores patrões, acabando por passar ao quadro algum tempo depois». "Não se trata de incompetência, mas de uma alegada extinção de posto de trabalho que não corresponde à verdade. A função da Cristina como alimentadora recebedora mantém-se. A ACT deu como provado isto e muito mais", frisou.

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