Comando da GNR revoltado com juiz Neto de Moura

Indignação na GNR por causa de afirmações no acórdão que levou à condenação de quatro guardas. Os polícias "geralmente mentem", lê-se. Associações sindicais de várias polícias preparam queixa conjunta
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Foi através de um e-mail enviado à corporação que o Comando-Geral da GNR deu conta da sua indignação com o juiz Neto de Moura, por ter alegado que "os agentes policiais, geralmente, mentem", com os desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) Carlos Espírito Santo e Cid Geraldo a validarem esta posição. O acórdão é relativo a um processo que levou à condenação de quatro militares da GNR que tinham intercetado Neto de Moura numa fiscalização de trânsito a circular, em Loures, numa viatura sem chapas de matrícula. O juiz fez queixa dos guardas e estes foram absolvidos em primeira instância, mas recentemente a Relação ditou uma decisão contrária: condenou os guardas por denúncia caluniosa e falsidade de testemunho e fixou indemnização de oito mil euros a pagar ao juiz.

Nesse processo, Neto de Moura incluiu uma contestação no recurso para a Relação em que criticava os polícias. No acórdão lê-se que nas "situações em que é posta em causa a legalidade da sua atuação, os agentes policiais, geralmente, mentem e não têm qualquer pejo em fazê-lo em documentos públicos e em tribunal".

O comando da GNR insurge-se e garante aos militares que irá pedir medidas às entidades oficiais, como o Conselho Superior de Magistratura e o Ministério da Justiça. E enviou e-mail à corporação a dar conta do descontentamento: "No passado dia 23 de julho, foi veiculada por diversos órgãos de comunicação social a notícia de que, no âmbito de um processo judicial e que envolve alguns militares da Guarda e um magistrado judicial, teriam sido produzidas afirmações que colocam em causa a integridade, a honestidade e a imparcialidade dos militares desta Guarda e, em última análise, das forças de segurança. (...) Não podemos deixar de manifestar um evidente desagrado com o teor das afirmações proferidas. Neste sentido, serve o presente comunicado interno para transmitir que o Comando da Guarda irá expressar, junto das entidades competentes - judiciais e da tutela -, o seu desagrado pelas afirmações indecorosas produzidas no âmbito do processo judicial", lê-se no e-mail, que foi ontem enviado.

Os quatro guardas podem ainda contar com o apoio solidário do comando que está disponível para continuar a patrocinar a sua defesa.

Polícias preparam ação conjunta

César Nogueira, presidente da Associação Profissional da Guarda, diz que esta "é uma posição que agrada a todos os militares" e avançou ao DN que as várias associações socioprofissionais das polícias - GNR, PSP e SEF - estão também a preparar uma ação conjunta contra o juiz. "O que foi dito de forma generalizada é que os polícias mentem. É inaceitável", considerou.

Esta polémica surge após o Tribunal da Relação de Lisboa ter condenado quatro militares da GNR a uma multa de 2340 euros por denúncia caluniosa e falsidade de testemunho e ao pagamento de 9000 euros ao juiz desembargador Neto de Moura.

O acórdão, a que a agência Lusa teve acesso, assinado pelos juízes Carlos Espírito Santo e Cid Geraldo, alterou a decisão do Tribunal de Loures que absolveu os arguidos, num processo de 2012, quando o assistente (juiz Neto de Moura) foi fiscalizado por uma brigada da GNR, no concelho de Loures, no momento em que circulava sem chapas de matrícula na viatura. A 10 de julho de 2012 (dia seguinte à operação), o chefe da patrulha elaborou uma participação dirigida ao Conselho Superior da Magistratura (CSM) a denunciar que o juiz Neto de Moura "viu e ignorou a ordem de paragem dos militares da GNR", e, depois de intercetado, manteve uma "atitude provocatória, intimidatória e ofensiva" perante os elementos policiais.

Os arguidos prestaram declarações, enquanto testemunhas, no CSM, que arquivou o inquérito disciplinar, por deliberação de 18 de setembro de 2012, tendo o juiz apresentado uma queixa-crime, refere a Lusa.

Os arguidos foram absolvidos pela primeira instância, mas o juiz recorreu para o TRL, que lhe deu razão. O acórdão da Relação de Lisboa sustenta que "não se pode dar como provado" que o assistente passou junto dos arguidos, pois um dos guardas afirmou que a rotunda, onde se encontravam os militares da GNR, estava a "cerca de 30/50 metros" da via onde circulava o juiz. Este militar afirmou ainda não poder garantir que o juiz se tenha apercebido da ordem de paragem, assegurou que este parou imediatamente quando se inteirou da intenção da GNR, acrescentando "que não houve indícios" de fuga.

"Atenta a distância a que se encontrava do assistente, a ordem de paragem que lhe terá sido dada não foi observada pelo assistente, pelo que o arguido Santos mente ao dizer que o assistente 'desobedeceu deliberada e conscientemente a tal ordem, pois demonstrou sinais visíveis de se ter apercebido do sinal' e ainda que o assistente 'se pôs em fuga'", sustentam os juízes desembargadores Carlos Espírito Santo e Cid Geraldo.

"Mentiu despudoradamente"

Para os juízes desembargadores, é claro que o chefe da patrulha "mentiu" e os restantes arguidos confirmaram a participação apresentada junto do Conselho Superior da Magistratura. "Dúvidas não restam de que o arguido Santos mentiu despudoradamente na participação que dirigiu ao CSM, bem como nas declarações prestadas no inquérito que se seguiu, imputando ao assistente a prática de um crime de desobediência que bem sabia não ter cometido, com o intuito, por mero revanchismo, de que contra este fosse instaurado um procedimento disciplinar", concluiu o Tribunal da Relação.

O TRL diz que a fiscalização realizada pelos arguidos e outros agentes "redundou num espetáculo vexatório" para o assistente, criticando a atuação policial e dando dois exemplos "menos abonatórios" para as forças policiais. "(...) os atinentes ao julgamento de agentes da PSP por situações ocorridas na Cova da Moura (Amadora) e em Guimarães (agressão a adeptos do Benfica), com evidente desprestigio para as instituições a que pertencem", recordam os juízes desembargadores.

O juiz Neto de Moura, atualmente no Tribunal da Relação do Porto, foi o relator de um acórdão polémico sobre um caso de violência doméstica, aguardando ainda as conclusões de um inquérito disciplinar aberto pelo Conselho Superior da Magistratura. No acórdão, Neto de Moura faz censura moral a uma mulher de Felgueiras vítima de violência doméstica, minimizando este crime pelo facto de esta ter cometido adultério, invocando a Bíblia, o Código Penal de 1886 e até civilizações que punem o adultério com pena de morte, para justificar a violência doméstica.

Texto atualizado às 12.09 de 28/07/2019

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