Avó e tia querem a guarda do bebé. Não sabiam que Sara vivia na rua

A mãe e a irmã de Sara Furtado, a jovem cabo-verdiana em prisão preventiva por abandonar filho no lixo, contaram à RTP que nunca desconfiaram que a familiar era sem-abrigo ou estivesse grávida. Dizem que a jovem de 21 anos é que se afastou da família e prometem lutar pela guarda do menino.
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"É o primeiro neto, quero muito tê-lo comigo." Manuela Correia, mãe de Sara Furtado, a jovem sem-abrigo que está presa por ter abandonado o filho num ecoponto em Lisboa, falou assim a reportagem do 'Sexta Às Nove', da RTP. A cabo-verdiana contou que desconhecia por completo que a filha de 21 anos vivesse na rua e que estivesse grávida: "Dizia que vivia com o namorado na Amadora." Agora a família, mãe e irmã de Sara, pretendem lutar pela guarda do bebé que foi entregue provisoriamente a uma filha de acolhimento.

A reportagem do 'Sexta às Nove' acabou por mostrar que a história de Sara é complexa. Com um pai sempre ausente, a jovem esteve institucionalizada em Cabo Verde dos cinco aos 19 anos. A mãe, hoje com 41 anos, chegou a Lisboa, sozinha, em 2008. Teve a companhia de uma irmã de Sara, filha de outro pai. Só em 2016, quando já tinha 19 anos, é que Sara deixou a Aldeia SOS São Domingos, em Cabo Verde, e viajou para Portugal. Tinha o 7º ano e um curso incompleto de cabeleireira.

A irmã Carla diz que tinham uma vida normal no Barreiro. "O último Natal em família foi muito divertido", contou. Depois, em janeiro aconteceu "uma mudança inexplicável". Foi o mês em que engravidou. Sara tinha deixado a residência da mãe e, acreditava a família, foi viver com um amigo que seria seu namorado. Amigos contaram que chegaram, de facto, a vê-la na Amadora. Só em julho é que passou a viver na rua, como sem-abrigo. A família desmente que tenha sido posta fora de casa, pelo contrário, garantem mãe e irmã, Sara é que se afastou da família e chegou mesmo a mentir em tribunal, após ser detida, ao dizer que mãe tinha regressado a Cabo Verde.

"Descobri pela TV", diz a mãe

"Ela vinha aqui a casa, vestida de forma normal, passava aqui o fim de semana e falava muito pelo Facebook", disse a irmã Carla. Nunca suspeitaram, asseguraram às jornalistas da RTP, o que se passava na realidade. Naquele dia de novembro em que foi detida pela Polícia Judiciária é que a verdade foi um choque. "Descobri pela TV" que vivia na rua, afirmou a mãe Manuela. "Não dormi à noite." A irmã procurou confirmar junto das autoridades que era mesmo a Sara. "Não quero acreditar. Só chorava e pensava 'Foi a Sara? Foi a Sara?'' Sentia culpa, não é?", explicou Carla, que esteve com a irmã naquela quinta-feira, dia 7 de novembro, em que a PJ deteve Sara.

A irmã recorda que Sara parecia doente, "tinha um olhar distante, a estrutura corporal estava mal", mas não suspeitou que tivesse dado à luz. "Disse-me que não estava doente." A mãe diz que estava disposta a ajudá-la. "Se ela tivesse falado, tinha a porta aberta." Carla diz que ainda procura explicações: "Não percebo como chegou a esse ponto."

As duas já visitaram Sara na prisão e contam que a questionaram sobre a razão de nunca ter contado nada. "Só disse que estava desesperada. Mas ela nunca olhava para mim", relata, com amargura, a mãe após o encontro em Tires. A irmã acrescenta que Sara disse que "o bebé saiu sem que contasse, que estava completamente desesperada e foi logo um instinto" ir colocá-lo no ecoponto, perto do local onde vivia, com um companheiro e outros sem-abrigo, junto à estação de Santa Apolónia. "Ela disse que se arrependeu e que tinha procurado o bebé" para o salvar, assegura a irmã Carla.

Tal como a família, os sem-abrigo que conviviam diariamente com Sara nunca se aperceberam da gravidez. Dizem que usava roupas largas. "Ela aqui nunca esteve grávida, escondeu de toda a gente", disse um deles à RTP.

A mãe sabe que Sara teve um comportamento errado, mas pede compreensão. "Ela está doente, tem de ser tratada. Não concordo com o que ela fez... mas é a minha filha, eu amo-a." Diz que não se sente culpada, mas admite que talvez pudesse ir mais longe para saber o que se passava. "Mas eu tentei."

A família tem agora duas advogadas a tratar de lutar na justiça pela guarda do bebé. Queixam-se as juristas que não tem sido fácil o acesso ao processo. Manuela Correia quis transmitir que "o menino tem a avó e toda a família à espera. Estamos de braços abertos à espera dele".

O Sexta às Nove recolheu também depoimentos dos responsáveis da Aldeia SOS São Domingos. Sara e um irmão viveram ali. Ela entrou com cinco anos e saiu com 19. Foram lá para após uma denúncia da autarquia local. A mãe ia trabalhar e e deixava as crianças fechadas num quarto. Os responsáveis dizem que Manuela Correia nunca perdeu o contacto com os filhos e sempre se mostrou uma mãe interessada, mesmo após viajar para Lisboa em 2008. "Vinha visitar as crianças com muita frequência." E acabou por pedir ajuda, em 2016 para conseguir trazer os filhos para Portugal, o que se concretizou.

Carla diz que o sobrinho deve ir viver com a família e até já tem um nome: Apolo. "É um nome da Bíblia, de um guerreiro."

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