Alcindo Monteiro morreu há 25 anos. Uma vítima do racismo
Há 25 anos, na noite de 10 de Junho e madrugada do dia seguinte, Lisboa foi "varrida" por um grupo de skinheads. Com uma violência extrema, saíram à rua para espancar negros. Mais de dez pessoas foram parar ao hospital com ferimentos graves. Uma das vítimas não resistiu. Chamava-se Alcindo Monteiro, tinha 27 anos e era natural de Cabo Verde. Hoje, o seu assassinato permanece como um dos crimes mais infames da Democracia portuguesa. Foi morto à pancada apenas ter uma cor de pele diferente, no dia de Portugal, por um grupo e homens, todos jovens, nacionalistas e racistas.
Alcindo foi encontrado sem sentidos na rua Garrett, no Chiado. Tinha sido espancado de forma tão violenta que o seu corpo franzino cedeu. Sofreu hemorragias, lesões traumáticas crânio-encefálicas e fraturas. Morreu no dia 11 de junho às primeiras horas da madrugada. Saíra do Barreiro, onde residia, para ir dançar em Lisboa. Havia animação em Lisboa. O Sporting tinha vencido a Taça de Portugal nesse dia, frente ao Marítimo, e os Santos Populares já mexiam.
O seu destino ficou traçado quando se cruzou com o grupo de skinheads. Foram identificados nove deles logo no dia seguinte. A forma como atuaram permitiu que não houvesse dúvidas sobre quem eram e quais as motivações: o cabelo rapado, as calças de ganga, as t-shirts e os blusões negros, as botas de biqueira de aço. Nos meses seguintes mais dez indivíduos seriam detidos. Do grupo inicial de suspeitos, dois eram militares - Mário Machado estava na Força Aérea Portuguesa e outro era soldado do exército. Machado é o conhecido líder dos skins em Portugal, desde a juventude até à atualidade. Liderou movimentos fascistas como Movimento Ação Nacional e a Nova Ordem Social. Já foi condenado a penas de prisão por vários crimes, incluindo neste caso, mas não participou no ataque a Alcindo tendo sido punido por agressões a outros cinco africanos na mesma noite.
O tribunal que os iria julgar mais tarde deu como provado que eram racistas, como se lê no acórdão: "Os arguidos estão ligados ao movimento de "Skinheads" em Portugal. Este grupo de pessoas tem em comum o culto por determinadas ideias - nacionalismo e racismo - com as quais, de uma forma mais ou menos interiorizada, simpatizam. Exaltam o nacionalismo, o fascismo e o nazismo. Salazar e o seu regime são apontados como um modelo a seguir. A vertente racista está sempre presente. Apelam a superioridade da raça branca considerando a raça negra como raça inferior. Em termos gerais, de acordo com uma política a que chamam "racialismo" não admitem a mistura de raças; são contra a imigração para Portugal de indivíduos de raça negra, nomeadamente os originários das ex-colónias. Defendem a expulsão do território nacional de todos os indivíduos de raça negra e para atingirem esse fim e em nome da "Nação" e da "superioridade da raça branca" acham legítimas todas as agressões contra esse grupo de indivíduos."
Na noite de junho de 1995, na rua Garrett, a vítima foi um português. Alcindo Monteiro nasceu a 1 de outubro de 1967, na cidade do Mindelo, na ilha de São Vicente, em Cabo Verde. A família emigrou para o Barreiro em 1978 tinha Alcindo 11 anos e numa altura em que Cabo Verde já era independente. Alcindo voltou a ter um Bilhete de Identidade português em 1991. Trabalhava numa oficina de mecânica automóvel e nos tempos livres gostava de cuidar dos seus periquitos, cozinhar e dançar. Era um cidadão com uma ficha limpa.
Para os seus agressores isso não era relevante. Os nacionalistas tinham jantado em Cacilhas, numa reunião de vários elementos skins e que visava comemorar o 10 de Junho, dia de Portugal e dia da Raça. Quando se cruzaram com Alcindo apenas viram mais um "preto". Foram murros, pontapés e a agressão com um bloco de cimento na cabeça.
Foram identificados 17 arguidos para serem julgados por um crime de homicídio e dez ofensas corporais - chegaram a ser acusados de genocídio mas o MP acabou por deixar cair este crime. No dia 31 de janeiro de 1997, no tribunal de Monsanto, começou o julgamento em que foram ouvidas 84 testemunhas. Um dos arguidos, José Lameiras, acabou por ser essencial ao contar tudo, o que permitiu reconstituir os acontecimentos.
Onze dos acusados foram condenados a penas pesadas, envolvendo o homicídio. Foram punidos com prisão, penas entre 16 anos e meio e 18 anos. Os restantes, entre os quais Mário Machado, foram condenados por agressões, a penas entre três anos e meio e quatro anos e nove meses. O tribunal decidiu que os condenados deviam pagar 18 mil contos à família de Alcindo. Nunca foram pagos.
No acórdão definitivo, de 1997 do Supremo Tribunal de Justiça, lê-se um resumo do que foram as motivações dos crimes. "Os arguidos perfilham ideias que fazem apelo ao "nacionalismo" e "racialismo", onde a vertente racista está sempre presente, e exaltam a superioridade da raça branca, considerando a raça negra como uma raça inferior e a expulsar de Portugal. E é na prossecução de tal desígnio, a que de forma coletiva aderiram todos os arguidos intervenientes em cada uma das agressões a ofendidos acima descritas, que estes atuaram, agredindo todos os indivíduos de raça negra que se cruzavam no seu caminho. Querendo com essa atuação, integrada nos objetivos do grupo de "Skins", contribuir para a expulsão de Portugal daquele grupo racial. Todos os arguidos intervenientes em cada uma das agressões a ofendidos acima descritas atuaram em comunhão de esforços, querendo atingir a integridade física e a vida dos ofendidos, por serem indivíduos de raça negra, o que conseguiram."
A violência das agressões e do homicídio ficou provada. "Bem sabiam os arguidos intervenientes em cada uma das agressões a ofendidos acima descritas que os objetos que utilizaram (soqueiras, paus, botas militares e outras com biqueiras em aço, garrafas partidas, ferros), revestem características que, quando usados da forma referida, são aptos a causar lesões suscetíveis de provocar a morte aos atingidos ou colocá-los em risco de vida ou de causar uma grave ofensa à sua integridade física. E que todos iriam fazer uso desses objetos, o que queriam, conformando-se com o resultado das agressões praticadas com os mesmos."
25 anos depois do assassinato, Alcindo Monteiro não foi esquecido. Nesta quarta-feira, dia 10 de junho, no local onde foi morto decorreu uma homenagem, com a deposição de uma coroa de flores junto ao local. Participaram familiares, representantes de partidos políticos e associações e a Câmara Municipal de Lisboa. No dia 1 de outubro, data de aniversário de Alcindo Monteiro, será descerrada no local uma placa assinalando para memória futura o compromisso da cidade no combate ao racismo e ao fascismo.