Para o psiquiatra espanhol, Joseba Achotegui, a intensidade do estresse associado à mudança de país pode exceder a capacidade de adaptação do ser humano.
Para o psiquiatra espanhol, Joseba Achotegui, a intensidade do estresse associado à mudança de país pode exceder a capacidade de adaptação do ser humano.Fábio Vilhena / Unsplash

Opinião. Quanto tempo a gente leva para se adaptar?

"No caso do ser humano migrante, precisa atravessar lutos internos e externos, mudar de pele e humor para fazer morada no novo habitat"
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Texto: Cristina Fontenele*

Há quem já viva há mais de uma década em Portugal e considere que ainda não atingiu a plena aclimatação. Existe sempre um gatilho que desperta um senso de inadequação por estar em outro território. Ora é a diferença de humor e percepção de mundo, ora é a restrita rede de apoio que torna os momentos de emergência mais críticos. Em quanto tempo podemos afirmar que estamos adaptados a um novo país? Meses, anos? Este é um processo que se conclui ou é composto por infindáveis etapas? 

Uma colega carioca mora há dez meses em Lisboa e avalia que não está adaptada. O principal motivo está no tratamento dispensado por alguns clientes pelo fato dela ser brasileira e também pela frontalidade portuguesa nas respostas. “Até para dar uma notícia positiva, tem uma seriedade que a gente não sabe se será algo bom ou ruim.”, revela referindo-se a quando foi comunicada da promoção no trabalho pelo ótimo desempenho em vendas.

Na jovem de 25 anos, pulsa a curiosidade em descobrir o mundo e a disposição para sair às cinco horas da manhã, com céu escuro e frio invernal, rumo ao emprego. Ela migrou para experimentar uma vivência internacional, adquirir conhecimentos, somar recursos financeiros e um dia voltar ao Brasil. Está empenhada em adaptar-se com a resiliência necessária.

Uma amiga luso-brasileira se surpreendeu quando comentei que o excesso de objetividade português é origem recorrente de susto para os brasileiros. Tendo dupla nacionalidade, ela transita entre os dois países e confessa que, por sua vez, fica confusa com a pouca assertividade do brasileiro ao não expressar diretamente o que pensa e deseja. Considera uma dubiedade conflitiva.

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De acordo com pesquisadores, alguns comportamentos atrasariam o progresso da adaptação do imigrante à nova terra. Não aprender o idioma local, isolar-se, ignorar as regras de conduta, ter excesso de criticismo, ser resistente a imergir na outra cultura.

Para o psiquiatra espanhol, Joseba Achotegui, a intensidade do estresse associado à mudança de país pode exceder a capacidade de adaptação do ser humano. “Essas pessoas correm o risco de sofrer de Síndrome do Imigrante de Estresse Crônico e Múltiplo ou Síndrome de Ulisses, que se refere ao herói grego que sofreu inúmeras adversidades e perigos longe de seus entes queridos.”, explica em seu site.

Achotegui desenvolveu diversos estudos sobre migração e os impactos na saúde mental. Segundo suas observações, existem sete lutos associados à tema. Seriam eles: luto pela família e amigos, pelo idioma, pela cultura, pelo lugar, pelo status social e profissional, pelo pertencimento, pela integridade física. 

Tais lutos diferem do que vivemos pela perda de um ente querido, porque não se trata de um desaparecimento de alguém, mas de uma separação. Seria, portanto, um luto parcial, recorrente e múltiplo, uma vez que é possível regressar e manter contato.

Na natureza, por exemplo, plantas e animais desenvolvem mecanismos para se ajustar às alterações de ambiente e sobreviver. Algumas plantas estão a florescer mais cedo do que o ciclo original e há espécies de animais, como a libélula, que mudam de cor para regular a temperatura corporal em clima mais quente. 

No caso do ser humano migrante, precisa atravessar lutos internos e externos, mudar de pele e humor para fazer morada no novo habitat. A espécie ainda não está ameaçada de extinção, mas corre muitos riscos.

*Cristina Fontenele é escritora brasileira, com especialização em Escrita e Criação. Autora de "Um Lugar para Si - reflexões sobre lugar, memória e pertencimento”, além de jornalista e publicitária. Escreve crônicas há quinze anos e, como típica cearense, ama uma rede e cuscuz com café bem quentinho.

O DN Brasil é uma seção do Diário de Notícias dedicada à comunidade brasileira que vive ou pretende viver em Portugal. Os textos são escritos em português do Brasil.

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