É altura de gerir o Turismo como merece, antes que seja tarde demais

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Com o fim da pandemia em 2022, o turismo voltou de forma explosiva, dirigido em particular para certos destinos. O conceito de overtourism já existia, mas é nessa altura, com o crescimento vertiginoso dos afluxos e da oferta de alojamento que realmente ganha expressão.

Definido pela OMT como “o impacto do turismo num destino, ou em partes dele, que influencia excessivamente a perceção da qualidade de vida dos cidadãos e/ou a qualidade das experiências dos visitantes de uma forma negativa”, o overtourism é hoje um fenómeno absolutamente consensual, cujos efeitos nefastos são visíveis e combatidos em cidades como Barcelona, Veneza, Dubrovnik ou Amesterdão, ou em pequenos territórios como Santorini, Islândia, Bali ou Koh Samui.

Daqui se vê que overtourism é um conceito de espaços confinados - sejam cidades, partes de cidades ou pequenas regiões. Não conheço nenhum caso de overtourism abrangendo o território de um país com alguma escala.

Há um excesso de fluxos turísticos para Portugal? Nem pensar: com 5,5 dormidas turísticas por habitante e um crescimento anual de 4,1%, estamos a meio da tabela da UE. Temos um enorme espaço para atrair mais turistas, eles querem vir e precisamos dos turistas: os fluxos para Portugal continuam a bater recordes e o Turismo reforça-se como o maior setor da economia nacional com 12,7% do PIB. Mas há overtourism em Portugal ? Claro que sim, mas é cirúrgico.

O prestigiado portal Fodors colocou recentemente Lisboa na lista dos 15 destinos no Mundo a evitar em 2025, devido ao excesso de turismo e aos protestos dos residentes.

O portal explica que, apesar de serem “deslumbrantes, intrigantes e culturalmente significativos, estes destinos apresentam alguns desafios e tensões, desde logo porque o excesso de turismo provoca problemas às comunidades locais, que se sentem negligenciadas, o que está a levar ao aumento dos protestos contra os turistas.”

Eco de artigos saídos na imprensa, em particular no Guardian que fez uma longa reportagem negativa sobre Lisboa com fotos de ruas sujas e degradadas no centro histórico e entrevistas com residentes lamentando-se da tomada de assalto de bairros por turistas de baixo nível graças ao Alojamento Local: “Perdi todos os meus vizinhos, já não conheço ninguém no meu bairro.”

É inegável que em Lisboa ou no Porto há overtourism, mas está claramente confinada a quatro ou cinco bairros e algumas atrações turísticas.

Em Lisboa, antes da pandemia já se sentia a tensão nestes locais e devia ter-se agido, mas os presidentes da CML e da AT Lisboa recusaram-se a admiti-lo e pouco ou nada fizeram. Hoje, as taxas turísticas subiram e esses bairros foram alvo de uma interdição total de novos AL, entre outras medidas, mas já não vai chegar para evitar as noites loucas de cerveja barata nas belas ruas destes bairros históricos. Esta Lisboa turística é uma bolsinha que vai continuar a encher até rebentar e com o Porto é o mesmo.

Já não dá para tapar o sol com a peneira e dizer que não se passa nada, como fez a ATL durante décadas. A nova campanha da CTP é um sinal de boa vontade, mas dificilmente se conseguirá abafar a crescente imprensa negativa que Lisboa, e por arrasto Portugal, tem tido nos media dos principais mercados de origem. O que fazer então? Duas coisas.

Primeiro, aceitar o que diz a Fodors, que a sua lista não promove nenhum boicote, mas realça que “o primeiro passo para aliviar um problema é reconhecer que ele existe”. E depois agir atacando o problema na raiz com soluções pragmáticas - o que, em Lisboa, pode por exemplo passar por limitar ainda mais o Alojamento Local nos bairros críticos, recuperando população residente, gerir a procura nas atrações com bilhetes pré-comprados mesmo que a meses de distância, atacar a praga dos Tuk-Tuks (um abcesso que não existe em lado nenhum na Europa) ou estimular comércio de qualidade no centro, subsidiando rendas. É preciso coragem e um espaço político que seguramente virá nas próximas Autárquicas.

E segundo, a diversificação. Há que vender o resto do país, mas não com campanhas morninhas, iguais a tantas outras, mas com pragmatismo: fomentando as acessibilidades, tornando o resto do país mais próximo e incontornável, enaltecendo a singularidade de Braga, Coimbra, Guimarães, Beja, Évora, Estremoz, Aveiro ... e as dezenas, centenas de aldeias únicas que fazem de Portugal um país único.

Se nos continuarmos a vangloriar do aumento do Turismo com os índices de intensidade turística que temos concentrados em pequenas zonas de duas cidades, estamos a cavar a sepultura do Turismo de Portugal. A imagem do overtourism em Lisboa e no Porto vai manchar cada vez mais a imagem de Portugal e se as pessoas já estão a evitar destinos não é improvável que nos venha a acontecer o mesmo - com um custo dramático para a economia das PME e do país como um todo.

Empresário, gestor e consultor

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