Violência sexual entre pares
Face a uma suspeita de sodomização de uma criança de 11 anos por parte de alguns colegas da escola, existem várias questões que se impõem: Como se explicam estes comportamentos? Qual o papel da família e da escola? Como prevenir futuras situações?
Conhecer
A violência sexual é uma realidade transversal, que envolve crianças e jovens em diversos contextos. Relativamente aos agressores, não são apenas adultos com mau aspeto que surpreendem a criança e a violam. Também os jovens cometem crimes de natureza sexual. E se, há alguns anos, estes comportamentos por parte de adolescentes eram desvalorizados e entendidos como uma fase de exploração e de descoberta da sexualidade, são hoje reconhecidos como um crime que tem necessariamente de ser sinalizado, de modo a proteger a vítima e responsabilizar o agressor.
O modus operandi dos jovens que agridem sexualmente crianças ou outros jovens envolve, tal como no caso dos adultos, um processo gradual de sedução e aliciamento, habitualmente no contexto de uma relação de confiança e familiaridade. São, assim, relativamente frequentes as situações ocorridas entre irmãos, primos, amigos ou colegas de escola. Alguns jovens agressores recorrem, por vezes, a outro tipo de abordagem (menos frequente nos adultos), que é o chamado abuso em gang - vários jovens que agridem uma criança ou jovem, com frequente recurso a estratégias mais violentas, como ameaças e agressões, contenção física ou, mesmo, a utilização de armas brancas.
Nem todos os jovens agressores têm as mesmas motivações. Enquanto uns apresentam já uma trajetória desviante do seu comportamento sexual (devido à vivência prévia de experiências adversas ou à exposição a conteúdos sexuais inadequados e violentos, por exemplo), outros limitam-se a mimetizar o comportamento dos seus pares, com receio de serem gozados ou mesmo excluídos do grupo se não o fizerem.
Agir
Não é preciso ter a certeza de que uma situação abusiva aconteceu para a reportar de imediato - basta ter uma suspeita. Convém recordar que, de acordo com o previsto no artigo 242.º do Código de Processo Penal, a denúncia de um crime desta natureza é obrigatória para os funcionários públicos que dele tenham conhecimento no exercício das suas funções e por causa delas.
Compete, depois, às entidades competentes o processo de investigação, o que significa que jamais deve ser a escola, por exemplo, a interrogar as crianças ou jovens alegadamente envolvidos, sob pena de contaminar o processo de avaliação e revitimizar as vítimas.
Quando o abuso sexual acontece numa escola, com a vítima e o(s) agressor(es) a partilharem o mesmo espaço, devem ainda ser pensadas medidas que assegurem a proteção de todos - não apenas daquela vítima, em concreto, mas também de outras potenciais vítimas. Sabemos que as escolas se debatem com a falta de recursos humanos e que nem sempre é possível assegurar a devida supervisão de todos os alunos. Porém, perante uma situação desta natureza, é imprescindível garantir medidas de vigilância, especialmente em locais onde o risco possa ser maior (p. ex., casas de banho, balneários).
A escola deve ainda partilhar com toda a comunidade educativa as medidas preventivas adotadas, transmitindo uma mensagem de proteção que permita a pais e alunos confiarem e sentirem-se seguros.
Prevenir
As crianças não devem ser responsabilizadas nem culpabilizadas pelas situações abusivas, o que significa que os programas de prevenção não devem ser dirigidos apenas às crianças. Devem ser implementados programas sistémicos e holísticos, envolvendo os diversos contextos onde as crianças se inserem.
É necessário sensibilizar e capacitar todos os adultos para esta realidade, não com ações pontuais, mas sim com programas desenvolvidos ao longo do tempo que abordem, entre outros temas, a proteção e supervisão (offline e online), o reconhecimento de sinais de alerta e o processo de sinalização.
Em paralelo, é fundamental implementar programas de prevenção primária ou universal dirigidos a crianças, adaptados à sua idade e nível de desenvolvimento. Pretende-se aumentar conhecimentos sobre a natureza dos comportamentos abusivos e sobre comportamentos de autoproteção e de sinalização, percebendo que os abusos sexuais podem ser perpetrados por qualquer pessoa.
O abuso sexual entre pares é uma realidade que não podemos ignorar e que exige uma reflexão aprofundada, de modo a serem desenhadas e implementadas medidas preventivas e de intervenção ajustadas e baseadas no conhecimento científico de que dispomos.
Psicóloga clínica e forense, terapeuta familiar e de casal