Verde cinza

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Uma das principais vítimas do novo xadrez geopolítico internacional e do declínio abrupto do multilateralismo é a causa ambiental. Os sinais são evidentes de que o mundo está a regredir da urgência coletiva em “salvar o planeta” para uma retórica protecionista de “salve-se quem puder” em que a agenda climática tende a ser empurrada para um cantinho escondido da gaveta. Ou, pior ainda, simplesmente deitada ao lixo, no caso do regresso do “elefante” Trump à Casa Branca.

Os novos desafios de um mundo em rápida mudança deixaram mais exposta a União Europeia, que ao longo dos anos se posicionou como líder na luta ambiental global, a Greta Thunberg das potências geopolíticas. O Pacto Verde Europeu, apresentado como um projeto transformador no primeiro mandato de Ursula von der Leyen como presidente da Comissão Europeia, prometia revolucionar a economia do bloco, colocando a sustentabilidade como motor do crescimento, mas o resto do mundo tinha outros planos - uma pandemia, a guerra na Ucrânia, Trump…

O choque de realidade e as pressões económicas e políticas internas deixaram a UE num dilema existencial: como manter a voz da liderança climática e, ao mesmo tempo, reconquistar uma competitividade industrial cada vez mais ameaçada pelos altos custos de energia e uma concorrência externa cada vez mais feroz e, e muitas vezes, injusta? O novo Pacto da Indústria Limpa apresentado na semana passada em Bruxelas evidencia já um reposicionamento estratégico, onde o verde da transição ecológica começa a misturar-se com os tons cinza da realpolitik económica e geopolítica.

Ursula von der Leyen garantiu que os objetivos climáticos e sociais da União Europeia não foram alterados, apenas a sua aplicação será mais “pragmática”. Traduzindo: não podemos, afinal, ser tão ambiciosos na agenda verde se queremos manter-nos competitivos. A recalibragem trazida por este novo Pacto da Indústria Limpa contempla a flexibilização das regras sobre ajudas estatais ou a redução das exigências regulatórias para pequenas e médias empresas, como a de medir o impacto ambiental da sua atividade. As grandes empresas mantêm essa obrigação, mas beneficiam agora de prazos mais alargados.

Com isto, Bruxelas tenta evitar uma fuga de investimentos e garantir que a indústria europeia tenha capacidade de adaptação num mundo onde as cadeias produtivas estão a ser reconfiguradas. O novo Pacto originou, naturalmente, reações diversas. Organizações empresariais olham para ele como um avanço positivo. Organizações ambientalistas veem-no como um retrocesso que compromete a transição verde. Como um equilibrista que tenta atravessar uma fina linha no topo da montanha, a União Europeia desafia-se hoje nesse equilíbrio entre sustentabilidade e competitividade, numa paisagem global em que o verde apresenta um tom cinza cada vez mais difuso.

Editor do Diário de Notícias

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