Os resultados das Eleições Regionais na Alemanha não causaram surpresa - mas só podem gerar imensa preocupação..Pela primeira vez desde a II Guerra Mundial, um partido de extrema-direita venceu umas eleições num Estado Federado alemão. Aconteceu na Turíngia e ia acontecendo também na Saxónia. Pode voltar a acontecer já no próximo dia 22 em Brandemburgo, onde a AfD também surge na frente das sondagens..Tanto a Turíngia como a Saxónia são dois estados do Centro-Leste da Alemanha, ambos muito marcados pela sua ligação à antiga RDA e com um eleitorado que mantém uma certa genética nostálgica do autoritarismo, como forma de exorcizar fantasmas mais imediatos e de perceção difícil de esfumar, como o crescimento da imigração e a perda de capacidade económica..A AfD é um partido de extrema-direita com infiltrações mal disfarçadas de setores neonazis. Terá uma minoria que até tem saudades de Hitler, ainda que a explicação para o seu sucesso eleitoral não resida nisso..A questão está, em traços gerais, em quatro temas: Imigração, Identidade, Economia e Guerra na Ucrânia. Nestes quatro assuntos especialmente delicados, a AfD cavalga um descontentamento latente, nalguns segmentos já bem patente, de um eleitorado que há poucos anos oscilava entre a SPD e a CDU e que encontrou nesta suposta solução simples e radical uma maneira sonora e assustadora de dizer: “Basta!”.A “Alternativa para a Alemanha” (expulsa, antes das Europeias, do grupo de Le Pen e Salvini e dominante na recém-formada Europa das Nações Soberanas, ainda mais extremista, a par de outros sete partidos de extrema-direita de Polónia, Bulgária, Hungria, Lituânia, Eslováquia, França e Chéquia) tem um discurso divisivo, simplista e hostil para com os imigrantes de origem islâmica..Com isso, agita igualmente a questão identitária, explorando o ponto da suposta “substituição” populacional que levaria ao risco da continuação do domínio alemão da própria Alemanha..Junta a esses dois pontos o tema económico, acusando os imigrantes de serem culpados pelos resultados fracassados do Governo Scholz, associando a “desindustrialização” a esse caminho de perda de poder germânico..Grande vencedor? Vladimir Putin.E, depois, há a Guerra da Ucrânia: a Alemanha é, de longe, o segundo maior apoiante de Kiev, muito atrás dos EUA, mas bem à frente de Reino Unido, Polónia ou países nórdicos..Scholz tem sido um grande amigo da Ucrânia - apesar das hesitações no envio dos Taurus. O chanceler alemão mostrou que percebe o que está verdadeiramente em causa quando, apenas três dias depois da invasão russa da Ucrânia, decretou a “Zeitenwende”, a mudança de paradigma para uma nova era em que a Alemanha terá de se preparar para o fim do período de paz e o novo risco de uma guerra em pleno espaço europeu..Mesmo com os contrapesos exigidos pelo Estado alemão - o travão da dívida, o Tribunal Constitucional -, a verdade é que a “coligação semáforo” SPD (sociais-democratas)/FDP (liberais)/Verdes se tem mostrado consistentemente próxima da Ucrânia..Ao incluir no pacote de descontentamento a questão do apoio à Ucrânia, a AfD está a capitalizar eleitoralmente os receios de muitos alemães em aumentar o grau de ajuda à Ucrânia e mesmo das consequências da hostilização à Rússia de Putin..Os extremos em alta.Temos razões para ficar preocupados? Sim, muito..Porque o que aconteceu na Turíngia e na Saxónia não foi um mero acidente de percurso ou um pequeno sinal de alerta..Decorre de um crescimento sustentado da AfD nestas duas regiões em especial e até no plano nacional (ainda que em menor grau). E deve, também, ser enquadrado com outros sinais que também foram dados na votação de domingo passado..O presidente da Rússia foi, sem ter de mexer uma palha, o grande vencedor das Eleições Regionais na Alemanha. Viu a AfD a abalar ainda mais os pilares do sistema, viu a CDU a perder, viu o SPD - partido do chanceler Scholz - a ser remetido para valores marginais e ainda mais os seus parceiros de coligação. Na Turíngia e na Saxónia, o SPD, do chanceler Olaf Scholz, obteve resultados modestos: 6,1% no primeiro caso, 7,3% no segundo. A percentagem mínima para garantir representação nos Parlamentos Estaduais era de 5%, o que garante que o partido se mantém representado..A juntar a tudo isto, viu a nova extrema-esquerda do BSW, liderada pela dissidente do Die Linke, Sahra Wagenknecht, ficar em terceiro lugar, com mais de 14% na Turíngia. Ora, este novo partido junta um discurso económico de esquerda com uma plataforma social de extrema-direita: frontalmente anti-imigração, pró-Kremlin e antiajuda à Ucrânia..A barreira das alianças.Mesmo assim, é improvável, que a AfD assuma o Governo da Turíngia, uma vez que necessita de obter a maioria dos lugares no Parlamento Estadual para formar Governo - e a CDU já deixou claro que não fará coligação com a extrema-direita (embora os conservadores moderados necessitem, para serem Governo Estadual, de se coligar com o SPD, a FDP, a BSW e os Verdes)..Já na Saxónia, tudo indica que a CDU acabe por conseguir formar Governo estadual numa coligação com o SPD e a BSW, caso mantenha a intenção de retirar os verdes da atual coligação maioritária. A Saxónia é governada pela CDU desde a reunificação - e, em concreto, por Michael Kretschmer desde o final de 2017, em coligação com os Verdes e o SPD..Mesmo com a barreira das alianças, os resultados na Turíngia e na Saxónia derrubaram mais um travão na ameaça da extrema-direita: em dois estados federados, um terço de quem vai votar assume a preferência pela AfD. E quase metade, no caso da Turíngia, preferiu ou a extrema-direita ou a extrema-esquerda..Mesmo sem a formação de Governos estaduais de extrema-direita, estes resultados terão consequências para a democracia alemã..Parte dos membros do Governo estadual, especialmente o governador, passam a integrar o Bundesrat, a Câmara Alta do Parlamento alemão, composta por representantes políticos dos 16 Estados Federados alemães..A Constituição alemã prevê que seja através desse coletivo que os Parlamentos Regionais “participam na criação de leis e administração da União e em assuntos da União Europeia”..Quando os deputados federais do Bundestag - a Câmara Baixa do Parlamento - aprovam uma nova lei, o órgão pode aprovar, vetar ou alterar os textos. Algumas leis na Alemanha só são aprovadas depois de passarem pelo Bundesrat..Um ano para o momento da verdade.A Saxónia e a Turíngia concentram um total de 6,3 milhões de pessoas (menos de um décimo da população alemã), mas têm de ser olhadas como um sinal de alerta para o que pode vir a acontecer dentro de um ano, na última semana de setembro de 2025, quando ocorrerem as próximas Eleições Legislativas na Alemanha..O SPD, que nas Europeias já tinha tido um forte abanão ao nem sequer chegar aos 14%, ficou num terceiro lugar abaixo dos 15,9% da AfD. Os Verdes ficaram-se pelos 11,9%, os liberais remeteram-se aos 5%..A CDU, que venceu essas Europeias com o dobro dos votos da AfD, surge como a grande esperança para travar um dano ainda maior. Mas a tensão começa a ser demasiado grande para se poder afastar cenários piores.