Vá chamar PIIG a outro
Na crise das dívidas soberanas, há mais de uma década, boa parte da Europa cunhou várias e interessantes expressões para designar Portugal, Grécia, Espanha e Irlanda, os países que tiveram de ser resgatados para evitar a bancarrota.
Em Espanha também houve um resgate em toda a linha, mas o governo PP de Mariano Rajoy lá conseguiu que tudo ficasse no “tecnicamente” e nunca no “oficialmente”. Mas houve um resgate em Espanha: a Europa sabia-o, os mercados também, os espanhóis sentiram-no na pele e ainda hoje estão a pagar — com as quezílias independentistas — a austeridade que o resgate trouxe. Adiante.
Estes países eram designados conjuntamente por PIIGs, uma expressão que ganha acinte para os falantes de inglês, uma vez que apenas tem mais uma letra do que a palavra para o plural de “porcos”. Era assim que alguma Europa nos via, ficando infame a frase de um ministro holandês que descrevia Espanha e Portugal como dois países onde se preferia gastar o dinheiro europeu em vinho e mulheres, em vez de o aplicar nas reformas necessárias.
A Europa de 2024 tem pouco a ver com a de 2014. Na Zona Euro, os três principais países - a Alemanha, a França e a Itália - têm cada um deles uma posição complicada, por motivos diferentes.
A Alemanha está com um crescimento débil, quase estagnada. Os anos de deslocalização de parte considerável da sua indústria para a Ásia cobraram um preço alto durante os anos da pandemia e da crise das cadeias de distribuição. A invasão russa na Ucrânia fez disparar os preços da energia na Alemanha e a concorrência chinesa no setor automóvel também não ajudou.
A França tem um défice orçamental gravíssimo (cerca de 6,1% previstos para este ano), agravado agora por uma crise política sem desfecho evidente. O descontrolo orçamental francês não vem de agora - o país não tem saldos positivos há décadas - mas o frágil equilíbrio político levanta sérias dúvidas sobre se haverá capacidade de adotar as medidas de contenção (mais do que) necessárias.
Já a Itália tem rácios de dívida de 140% e dificuldade em manter qualquer tipo de disciplina fiscal.
Todos estes três países têm Parlamentos fragmentados. A situação de França deixou agora bem claros os riscos que surgem nessa situação: o problema orçamental que se punha perante um governo (o de Michel Barnier) está perfeitamente identificado, mas a Assembleia Nacional que surgiu das últimas eleições está povoada de partidos que não fazem parte do poder e que, possivelmente, por tática política, impediram o executivo de aplicar medidas difíceis.
A Alemanha não teria problemas menores caso decidisse adotar medidas impopulares.
Na Europa de 2024, ao contrário da de 2014, os países que atualmente mais contribuem para o crescimento na Zona Euro são PIIGs, como a Espanha e Portugal.
É verdade que se trata de uma situação circunstancial. É verdade que os PIIGs não têm peso para arrastar os outros. É verdade que tanto Espanha como Portugal têm Parlamentos igualmente fragmentados, que dariam muitos problemas se fosse preciso aplicar algum tipo de austeridade. E, por último, é também verdade Portugal ainda é (quase 40 anos depois) um país da coesão, que recebe fundos estruturais em vez de os conceder.
Mas, por uma vez que seja, sabe bem dizer: “Vá chamar PIIG a outro.”
Diretor-adjunto do Diário de Notícias