União Europeia: a prova de existência

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A UE tem à sua frente talvez o maior desafio desde que o projeto de integração europeia nasceu, há 68 anos: provar que existe e continua globalmente relevante.

Até agora, o seu principal objetivo era crescer: em Estados-membros, nas suas competências e nas suas instituições. Salvo alguns desaires (o falhado projeto constitucional e o Brexit), foi sempre conseguindo fazê-lo com sucesso. Também foi em geral bem-sucedida na afirmação do seu modelo de “economia social de mercado”. Incorporou a tempo as questões de sustentabilidade, foi construindo o seu pilar social e trouxe a proteção dos Direitos Humanos para a sua política internacional.

Mas agora está tudo mais difícil. Com a posse de Trump nos EUA, o seu grande aliado no espaço democrático pode passar a um registo bem distinto em domínios cruciais: comercial, ambiental, digital e social.

De um ponto de vista político, na resolução dos dois conflitos armados mais próximos (Ucrânia e Médio Oriente) o seu papel pode ser o de pagar as contas da reconstrução. Com o resto do mundo, nunca teve alianças políticas suficientemente fortes e coesas para serem hoje alternativas.

De um ponto de vista económico, o seu crescimento é anémico e a sua produtividade fica abaixo do que era desejado, como mostrou o Relatório Draghi, pondo em causa a existência de recursos para continuar a melhorar a qualidade de vida dos seus cidadãos.

Para dar a volta, a UE precisa de reforçar a sua agilidade, a sua autonomia e a sua ambição. Contudo, internamente os tempos não correm para aí, com várias forças políticas pouco ou nada europeístas a crescerem em países centrais para este projeto, como a Itália, a Alemanha e a França.

Conseguirá a UE, como sempre fez em tempos de crise, superar este momento? Provar que existe a quem precisa dela, cá dentro e fora das suas fronteiras? Mostrar que é um espaço político confiável, livre e solidário como muito poucos outros no mundo? Afinal, não são tantos os que, por este planeta fora, gostavam de cá poder viver? Demonstrar aos 27 que juntos valem muito e que separados serão comprados por tostões? Reforçar as suas parcerias com aliados tradicionais, como fez recentemente com a assinatura do acordo com o Mercosul e na semana passada com o México? Tornar claro aos gigantes tecnológicos que a sua regulação, para proteger os nossos dados, a nossa identidade e a nossa confiança na informação, é para cumprir? Reforçar a sua autonomia estratégica e provar aos investidores que os seus negócios estão mais seguros aqui do que em outras partes do mundo? Em suma, mostrar a sua relevância no plano interno e global?

Relembro as palavras de Jacques Delors em 2004: “É de novo preciso gritar que a Europa tem uma escolha entre o declínio ou a sobrevivência.” Eis o grande desafio a que Bruxelas terá de responder sem demora, saindo das suas bolhas de conforto, onde por vezes a vimos demasiado relaxada.

Ex-deputada ao Parlamento Europeu

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