Uma (não) decisão que Tiago talvez gostasse de perceber
Esta semana, uma decisão judicial passou praticamente despercebida devido ao fluxo noticioso relacionado com o início da 17.ª legislatura e as candidaturas à Presidência da República: a libertação dos dois indivíduos que estavam em prisão preventiva na sequência do ataque com cocktails molotov a um autocarro durante os tumultos que se seguiram à morte de Odair Moniz, a 21 de outubro de 2024.
Nessa ação, a 24 de outubro do ano passado, o motorista de um autocarro ficou preso no veículo, tendo-lhe os arguidos apontando uma arma à cabeça, como contou ao DN Tiago. Foi regado com combustível, sofrendo queimaduras no rosto, peito e mãos. Foi mesmo colocado em coma induzido.
Nessa conversa com a jornalista Alexandra Tavares-Teles, Tiago, depois de falar sobre a noite em que foi atacado, disse esperar "que se faça justiça".
Eu também acredito que se irá fazer justiça, mas talvez custe a perceber uma eventual explicação — que não foi dada pela Procuradoria-Geral da República, que apenas lembrou que o inquérito está "sujeito a segredo de justiça" — para o facto de, desde a altura da detenção, a 28 de novembro de 2024, até 26 de maio passado, quando foi libertado o segundo dos detidos (a dois dias de acabar o prazo de prisão preventiva), não ter sido possível haver uma decisão para acusar os suspeitos de homicídio na forma tentada.
É claro que temos de dar o benefício da dúvida à investigação e lembrar que, até prova em contrário, estes arguidos são inocentes — aliás, quando foram presentes ao juiz de instrução, negaram ter estado envolvidos no ataque ao autocarro. Podem, por isso, nem ser acusados.
Mas, o ponto de discussão talvez seja outro: a demora em muitos processos para que haja uma decisão, seja para acusar ou arquivar processos.
O caso de Tiago não é único e, vamos ser honestos, até há casos em que rapidamente se passa para a fase de acusação e julgamento. Porém, infelizmente, há vários exemplos do arrastar de processos pelos tribunais e investigações que se prolongam até ao ponto de os crimes em causa acabarem por prescrever.
São recursos a seguir a recursos, contestações de juízes, de decisões, de apelos para tribunais superiores. E, depois, o regresso à casa de partida.
Talvez por isso, já ninguém ligue quando se fala da falta de decisão sobre um qualquer processo. Mas sejamos conscientes: cada processo arrastado sem uma decisão é mais uma porta aberta aos extremismos e à demagogia...
Editor executivo do Diário de Notícias