Uma guerra que passa por um fim “raro”
Esta será uma semana crítica para o avançar das posições sobre a guerra que tem ocupado os espíritos desde 2022. A atenção concentra-se na Conferência sobre Segurança, em Munique, a partir de sexta-feira, sendo que a presença do enviado norte-americano para a Ucrânia e Rússia, Keith Kellogg, é um indício para essa interpretação. Conta-se também com as participações do vice-presidente dos Estados Unidos, J.D. Vance, e do secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio, que conversarão com Zelensky. Esta parece ser, também, uma reunião preparatória para a presença de Kellogg em Kiev, já no final deste mês de Fevereiro, na linha de conversações entabuladas com Donald Trump com vista ao fim da guerra entre Rússia e Ucrânia.
Mas ninguém dá nada de graça: Trump já fez saber a Zelensky que o acordo com a Ucrânia para continuar a ajudá-la no esforço de guerra se prende com o acesso dos Estados Unidos, no futuro, às chamadas “terras raras” da Ucrânia. Será a contra-partida ucraniana às ajudas obtidas.
Para quem anda distraído, terras raras são zonas com elementos químicos (metais) de massa atómica elevada, e que podem ser usados desde em aditivos, como na indústria militar, passando por motores híbridos, indústria eólica, écrans (telemóveis, computadores, etc.), ou seja, o caminho dos materiais que são necessários para a vida quotidiana do presente e do futuro. No fundo, a Ucrânia pode ser o berço dos materiais mais necessários para os avanços da tecnologia.
E é disto que se trata. Quando a Rússia invade a Ucrânia - e sempre a invadiu, ao longo de séculos - é com vista às suas riquezas, não só agrícolas, como materiais (a quantidade de terra fértil é um dos seus maiores atractivos); muitas outras riquezas podem estar ao alcance de outros países, que têm investido na ajuda aos ucranianos. Para além, evidentemente, da recuperação e o reerguer das cinzas de um país, extremamente destruído pela guerra, ao longo de anos, necessitando de reforma urgente e de um investimento que o recupere a vários níveis. Imobiliário, industrial, agrícola, são só alguns dos campos atractivos para os investidores.
A nível moral e ético, a defesa da cultura ocidental, dos seus valores e da sua democratização (a Ucrânia ocupa a posição 35 no Índice Internacional de Percepção de Corrupção - a Rússia a 22.ª, enquanto Portugal desceu da 61.ª para a 57.ª) foram as bases para justificar a ajuda à Ucrânia desde a invasão russa.
O retorno ucraniano para o apoio Ocidental passa pela riqueza que ela tem. Não sabemos se esse não será um preço muito alto a pagar; pelos vistos, é o único possível para garantir viver com dignidade e liberdade no futuro. E se fôssemos nós, o que estaríamos dispostos a ceder para defender o nosso país e a nossa integridade?
Professora auxiliar da Universidade Autónoma de Lisboa e investigadora (do CIDEHUS).
Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico