Uma expulsão coletiva de 18 mil imigrantes?
Surgiu a notícia de que a AIMA vai notificar cerca de 18 mil imigrantes em situação ilegal para abandonarem o país. É natural que o número pareça chocante, e que as associações de imigrantes façam o seu trabalho de ativismo. Mas importa questionar se, de facto, estamos, como alguns alegam, perante deportações em massa à la Donald Trump e medidas xenófobas e extremistas. A resposta é, em ambos os casos, não.
Enquanto o mundo se dividir entre Estados com fronteiras soberanas, temos de aceitar a existência de leis que regulam as migrações. E, tal como se passa exatamente com outras normas, há medidas que têm de ser aplicadas para garantir a sua efetividade. De que valeria criar-se um arsenal de regras de entrada, vistos, sistemas de informação, etc., se fosse indiferente respeitar as mesmas ou não? É interessante como aceitamos tão bem a coercibilidade no que toca a dívidas privadas, por exemplo, mas quando aplicamos a lei de imigração, acusamos o poder de violar o Estado de Direito ou de fazer manobras eleitorais.
Depois, estas medidas não são uma deportação em massa. Para o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, uma expulsão coletiva é a que incide sobre um grupo de pessoas sem se analisar o caso individual de cada uma delas. Expulsões coletivas são medidas cegas deste tipo: mande-se para trás um barco cheio de imigrantes; expulsem-se todos os cidadãos de nacionalidade x ou da religião y; deportem-se todos os que estão em situação ilegal, sem analisar os seus casos. Ora, não se está perante nenhum destes cenários. Nem sequer o último. Ao que indica, os casos em presença foram todos ponderados.
De facto, é natural que, ao analisarem-se as famosas 400 mil pendências na AIMA, se tenha chegado à conclusão de que, em algumas, os visados não cumprem os requisitos para obterem uma autorização de residência: não dispõem de contrato de trabalho, não realizaram descontos para a segurança social, cometeram crimes, entre outros motivos. É isto uma deportação em massa? Não. É um conjunto de expulsões individuais, motivadas pelo incumprimento da lei de imigração. É juridicamente muito diferente: as primeiras são proibidas, as segundas não.
Ora, não obtendo autorização de residência, o que dizem as normas europeias, é que quem está em situação ilegal deve, precisamente, ser retornado ao seu país de origem. Mas tais normas preveem (1) um procedimento de retorno que dê oportunidade ao estrangeiro de se defender e de recorrer; (2) a possibilidade de invocar direitos fundamentais que impeçam a expulsão, como a vida familiar, a proteção de crianças migrantes, a saúde ou um receio de perseguição no país de origem. São estas algumas das garantias contra possíveis expulsões coletivas / cegas. Se tiver havido casos sem procedimento justo ou em que estes direitos fundamentais foram ignorados, então só aí, sim, haverá violação de direitos humanos.
Por outro lado, naquele número estarão ainda casos de imigrantes que receberam ordem de afastamento ou de proibição de entrada por outros Estados-membros. Mas aí a decisão individual foi tomada no Estado europeu de proveniência. O Direito da UE dispõe que os demais Estados-membros devem reconhecer e executar as decisões de afastamento uns dos outros, sob pena de alguns se transformarem em abrigos para os que querem escapar às normas dos demais.
Enfim, ao que tudo indica, estes 18 mil casos são apenas as normas europeias a funcionar. Podemos não concordar com elas, mas não temos alternativa que não executar as mesmas, sob pena de incumprimento perante a UE.
Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Investigadora do Lisbon Public Law