Uma Europa sem direito a veto

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A União Europeia enfrenta um dos debates mais críticos dos últimos tempos: a proposta de substituir a unanimidade pela maioria qualificada em decisões de política externa e de segurança. À primeira vista, parece uma questão meramente técnica, uma mudança que visa tornar a União mais rápida e eficiente, mas na realidade, estamos perante uma questão muito mais profunda: a soberania de cada Estado-membro está em jogo.

Quando falamos de política externa e de segurança, não estamos a tratar apenas de questões técnicas ou burocráticas. Estes são os pilares fundamentais sobre os quais repousam os diferentes Estados-Membros. E, por isso, a proposta de "falar a uma só voz" através da maioria qualificada representa uma contradição nos seus próprios termos.

Devemos ser claros: esta mudança traz consigo o perigo de criar divisões profundas dentro da própria União. A segurança e a defesa são áreas de soberania absoluta, e a capacidade de veto tem sido, até agora, a salvaguarda que permite que países com preocupações específicas protejam os seus interesses vitais. Retirar essa ferramenta de veto pode expor Estados-membros a decisões que lhes são prejudiciais e que põem em causa a sua própria segurança.

Pensemos no caso de Chipre. Faz sentido que a política europeia em relação à Turquia seja decidida contra a vontade cipriota? Certamente que não. Ignorar as preocupações de um país como Chipre não só fragiliza a sua segurança como cria uma política externa inconsistente para a União como um todo. Ou vejamos o exemplo de Espanha: em 2008, quando a UE discutia o reconhecimento da independência do Kosovo, a Espanha utilizou o seu veto, temendo que tal decisão incentivasse movimentos separatistas na Catalunha ou no País Basco. Esses vetos não são simples bloqueios; são formas de proteger os interesses nacionais mais sensíveis.

Se passarmos a decidir por maioria qualificada em questões de segurança, o que impede que decisões importantes sejam tomadas contra os interesses de um ou mais países? O resultado seria uma União Europeia fragmentada, onde as vozes mais fortes se sobrepõem às restantes, arriscando minar a coesão que tanto defendemos. O veto, longe de ser um obstáculo, é uma proteção da soberania. Retirá-lo seria transformar a União num bloco onde os interesses dos mais fortes suprimem as necessidades dos mais pequenos.

Queremos ver os interesses centrais de países como Portugal relegados para segundo plano? A verdadeira força da União Europeia está na diversidade, na capacidade de cada país — grande ou pequeno — ter uma palavra a dizer. Se enfraquecermos este princípio fundacional, comprometemos o futuro do projeto europeu.

Este debate ganha ainda mais relevância se olharmos para o panorama internacional, nomeadamente para as próximas eleições nos Estados Unidos. A política externa norte-americana está prestes a ser redesenhada, e o impacto dessas decisões será sentido em todo o mundo, especialmente na Europa. Mais do que nunca, precisamos de uma União coesa, onde a soberania de cada Estado seja protegida e respeitada.

Portanto, antes de tomarmos decisões que possam comprometer o equilíbrio delicado da União, devemos perguntar-nos: podemos realmente defender a Europa se minarmos a soberania dos diferentes Estados-Membros que a tornam forte? O risco é claro, e a resposta também deveria ser: não podemos arriscar fragilizar aquilo que nos une.

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