Um novo Suresnes em Espanha
Em 1970, o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) contava com quase um século de vida, mas era uma fraca sombra do seu passado. A Guerra Civil e o Franquismo atiraram-no para o exílio francês, onde era liderado por Rodolfo Llopis, um burocrata quietista preso no sonho de uma II República mitificada. Dentro de Espanha, o partido esgotava-se nuns poucos militantes dispersos. O que agradava a Llopis: o verdadeiro socialismo republicano, no exterior, passava bem sem arrivistas.
Mas bascos e asturianos, os melhor organizados no interior, conspiravam. Intuía-se o fim da ditadura, logo era fundamental que o PSOE deixasse de ser um partido exilado e esclerosado. O afastamento físico e intelectual de Espanha entregaria o espaço da social-democracia a outros.
Pior, o comunismo seria hegemónico à esquerda. Urgia atender a uma sociedade moderna e pujante, tolhida por um regime em estertor indisfarçável.
As lutas entre exterior e interior terminaram em outubro de 1974, no XIII Congresso, realizado em Suresnes, às portas de Paris. As contingências históricas cederam o passo aos andaluzes, capitaneados pelo camarada Isidoro - nom de guerre de Felipe González.
González refundou o PSOE e transformou-o numa máquina eleitoral. Esteve 23 anos à frente do partido e liderou o país durante 14. Obteve 3 das 5 maiorias absolutas da democracia espanhola. Secou a sua esquerda, dando a hegemonia ao PSOE. Presidiu a uma época de desenvolvimento cultural e económico impressionantes. Firmou os acordos de regime que alicerçam o Estado democrático, enterrando os revanchismos que impediriam a democratização. Cumpriu o sonho europeu, que em Espanha é secular e vai muito além da adesão à comunidade de Estados e das vantagens que daí resultam. Tudo gestado em Suresnes.
Avancemos agora meio século para o passado fim de semana, em Sevilha, onde o PSOE reuniu em congresso. As ideias para o partido e para o país estiveram acanhadas. Já o corte com a geração de Suresnes foi evidente - nem o 50.º aniversário, nem o facto de Sevilha ser a terra de González serviram de paliativo.
Pedro Sánchez esvaziou o partido de ideias para celebrar acordos de poder que González nunca faria, pois delapidam a concórdia constitucional que Suresnes ajudou a fundar. Como o seu palmarés eleitoral compara mal com o de González - as grandes derrotas históricas do PSOE pertencem todas ao consulado Sánchez -, estes acordos são a única via para manter o poder.
À falta de ideias, Sánchez oferece uma vanguarda progressista contra a extrema-direita. Não se referirá ao VOX, em contração eleitoral há mais de um ano. Aqui, ‘extrema-direita’ é um conceito lato que abrange a oposição, mas também jornalistas e magistrados, em particular os que se debruçam sobre a cornucópia de corrupção e abusos que cercam o partido e o seu secretário-geral.
Em suma, radicalizar posições, mobilizar fileiras, deslegitimar críticos, mesmo que isso comprometa as instituições. Nós contra eles. Virtuosos contra pérfidos. Frentismo puro. Claro, populistas são os outros.
González, hoje um incómodo nas fileiras socialistas, popularizou uma frase que resume este PSOE: a esquerda espanhola podia ser filha da democracia, mas prefere ser neta da Guerra Civil.
Sánchez descaracterizou o partido e mina os equilíbrios institucionais que sustentam a democracia. Quando sair, o PSOE e Espanha precisarão de um novo Suresnes.