Um certo ambiente de 1968

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A História é pródiga em mostrar-nos coincidências: por vezes apenas curiosas, noutros casos preocupantes. 

Este ano de 2024 está a começar a parecer-se com 1968. Esse ano dos finais dos “sixties” foi turbulento e traumático na sociedade norte-americana. Em março, tropas norte-americanas e sul-vietnamitas lançavam uma grande ofensiva sobre o Norte. Um pelotão do exército dos EUA matou centenas de civis vietnamitas (massacre de My Lai). No final desse março sangrento, o então presidente Johnson anunciou que não iria concorrer à reeleição. 

A 4 de abril, Martin Luther King foi assassinado a tiro. 

Sem o presidente na corrida, a nomeação presidencial democrata para as eleições que se aproximavam ganhava redobrado interesse. 

Já perto do verão, o senador democrata Robert F. Kennedy, irmão de JFK, também ele líder do movimento pelos direitos civis, estava muito bem posicionado para obter a nomeação. Na noite de 5 de junho, véspera das primárias na Califórnia, Bobby Kennedy é atingido a tiro por um imigrante palestiniano, Sirhan Sirhan. Morre na manhã seguinte.  

Nesse ano de 1968, a Convenção Democrata realizou-se em Chicago. O vice-presidente Hubert Humphrey ingressou na disputa. O assassinato de Kennedy agravou ainda mais as divisões do Partido Democrata. O apoio dentro do partido foi dividido entre o senador Eugene McCarthy, visto como o candidato da paz, o vice-presidente Humphrey, que representava o ponto de vista de Johnson, e o senador George McGovern, que atraiu apoiantes de Bobby Kennedy. 

Humphrey viria a ser o nomeado. A convenção foi perturbada por protestos antiguerra e confrontos violentos com a polícia.

Mais de meio século depois, as manifestações de 2024 nas universidades americanas também criam fortes constrangimentos a um presidente democrata: Joe Biden. Neste caso, o presidente não abdicará de buscar a reeleição - mas numa daquelas coincidências caprichosas, a Convenção Democrata será outra vez em Chicago. 

Os jovens de 2024 aparecem de cara tapada. Mostram uma profunda desconfiança em relação à política, às autoridades, à justiça, ao governo e até aos media. Preferem passar as suas mensagens pelos canais próprios nas redes e recusam falar aos media tradicionais. 

Para já, Joe Biden tem estado bem: procura um equilíbrio - quase impossível, mas certamente necessário - entre o respeito pelo direito ao protesto e a preocupação de evitar um aumento da repressão policial com o contrapeso de acautelar o direito da grande maioria dos estudantes de continuar a ter aulas. Para lá de tudo isso, o presidente garante que não mudará a sua política de defesa de Israel, com exigências de proteção humanitária dos palestinianos.

A realidade em Gaza está longe de ser o assunto que mais preocupa a população universitária americana. Estudo do Instituto de Política da Universidade de Harvard aponta: há 12 assuntos mais urgentes - inflação, saúde, habitação, armas, corrupção, proteção da democracia, direitos reprodutivos, educação, imigração, emprego, impostos e dívida estudantil.

Em 1968, os alunos protestavam contra a ligação da Universidade de Columbia a uma organização que fazia investigação de armas para a guerra do Vietname e contra a forma como a administração tratava os alunos de minorias étnicas.  

A 31 de outubro, o presidente Johnson anuncia o fim de todos os bombardeamentos no Vietname do Norte. Cinco dias depois, Nixon batia nas urnas o democrata Hubert Humphrey e o segregacionista George Wallace e tornava-se o 37.º presidente dos EUA.

Desta vez, há também um republicano que volta a tentar (Trump) e um terceiro candidato que pode reunir percentagem significativa (Robert Kennedy Jr, filho de Bobby Kennedy, noutra coincidência com 1968).

Será que a 5 de novembro de 2024 vamos encontrar mais coincidências com 1968?

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