Um caderno de encargos para o novo Governo em matéria de imigração
O novo Governo terá de continuar a pensar estrategicamente a imigração. Repetir slogans Disney de que temos de receber condignamente todos, e que falar de “regulação” é preconceituoso, é apenas ignorar profundamente o que é a imigração, seus impactos e desafios. Como se sentiu na pele no nosso país, a diferença entre um desastre e um conjunto de coisas positivas está, precisamente, numa regulação adequada. Trata-se apenas de aplicar a esta matéria o que se faz em muitos outros setores da vida pública, desde a circulação de veículos ao exercício de profissões. Eis uma lista de assuntos pendentes a retomar, de forma sistemática, pelo novo Governo:
1. Reforçar os postos consulares. Foram recentemente acrescentados 50 funcionários. Continua a não ser suficiente. Se queremos entradas legais, tudo começa aqui;
2. Continuar a acelerar a missão do grupo de trabalho que está a recuperar as diabólicas pendências;
3. Executar as decisões rapidamente: dar o título de residência a quem cumpre os requisitos para beneficiar do mesmo, e executar os afastamentos de quem não tem o direito de permanecer no território nacional (tal como executamos qualquer outra lei), com respeito pelos direitos das pessoas que não podem ser expulsas;
4. Regular a execução das decisões de afastamento, dotando as polícias de competência para o efeito, e com procedimentos justos que garantam o direito de defesa das pessoas (problemas relativos a fugitivos temos em todos os setores da aplicação coerciva das leis);
5. Continuar a reforma em matéria de detenção de imigrantes: aplicar a medida apenas em último caso, implementar a audição judicial de todos os detidos e construir centros fora dos aeroportos;
6. Tornar operacionais os serviços de atendimento ao público da AIMA e das Conservatórias. Quase 90% das pessoas que me procuram a pedir ajuda relatam sempre as mesmas coisas: há um ano que não têm resposta; ninguém lhes atende o telefone na AIMA... Isto é pura e simplesmente inaceitável num Estado de Direito funcional;
7. Perceber que não pode haver apenas alguns “momentos em que abrem vagas” para o reagrupamento familiar. O reagrupamento é um direito fundamental, contrariamente à imigração laboral. Não é aceitável haver “vagas” para isto: é como ter um sistema informal de quotas em matéria de imigração familiar – o que não é permitido;
8. Repensar determinadas soluções da política migratória, estudando previamente os impactos que elas trouxeram para o país em matéria de habitação, contribuições para o fisco ou segurança social, como os chamados “vistos nómadas” ou os eternamente problemáticos “vistos gold”;
9. Reforçar a chamada “via verde” para a imigração laboral regular, pensar na sua extensão a empresas de dimensão inferior àquelas que estão atualmente abrangidas pela solução do Governo anterior;
10. Não voltar a adotar soluções parecidas à “manifestação de interesse”; Regularizações de imigrantes que se encontrem ilegalmente no território, deverão ser apenas as necessárias para salvaguardar direitos fundamentais. Colar esta frase num cartaz em todos os gabinetes.
Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Investigadora do Lisbon Public Law