Um ano que pede sensatez, clareza e muita coragem

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Neste primeiro texto do novo ano procuro partilhar algo da minha visão sobre os grandes desafios globais que teremos de enfrentar nos próximos 12 meses. Alguns desses desafios vêm na continuação das imensas dificuldades políticas que marcaram a cena internacional em 2024. A sua trajetória em 2025 parece continuar no sentido do agravamento. Vejo as apostas na moderação e na paz como extremamente complexas e difíceis, se bem que absolutamente necessárias.

Juntam-se a essas preocupações novos problemas, entre os quais sobressaem: 1) as iniquidades e as loucuras que a Administração Donald Trump/Elon Musk irá introduzir nas relações internacionais; 2) a aceleração do uso da Inteligência Artificial para responder aos desígnios e ao controlo da agenda estratégica por parte de vários imperialismos; e 3) o acesso ao poder em várias democracias Ocidentais, e não só, por partidos ultrarreacionários e de inspiração nazi, fascista ou simplesmente xenófoba.

A Áustria foi, esta semana, o exemplo mais recente desta tendência, ou seja, da viragem das opiniões públicas para o populismo e o nacionalismo extremista. Herbert Kickl, dirigente do partido de extrema-direita FPÖ (simbolicamente chamado Partido Nacional Social, uma apelação inspirada no partido de um certo Adolf Hitler), foi convidado a formar governo.

Este tipo de perspetivas exige ambições claras e corajosas. A maioria dos nossos dirigentes tem muita conversa, mas as suas declarações são vagas, mesmo incompreensíveis nalguns casos. Dir-se-ia que não entendem o contexto atual, nem conseguem imaginar o futuro. Utilizam a comunicação social para nos vender o passado e também para manter as ilusões em que assenta o seu poder.

Cabe-nos combater essas posturas, mas não é fácil. O acesso ao mercado das ideias realistas e humanistas é cada vez mais estreito. Basta notar quem tem tempo de antena para se perceber quão difícil é ver nos ecrãs quem tenha a coragem de desmontar os contextos ilusórios que servem de base de sustentação aos patrões dos principais partidos políticos ou aos líderes de algumas potências regionais ou globais.

Quem tem influência e autoridade deveria ter, pelo menos, cinco ambições maiores.

Primeiro, a paz. Estamos em 2025, não no passado. As grandes potências - mas também cada um de nós - devem abandonar a ideia de que os problemas se resolvem pela força das armas e ultimatos. Com os avanços tecnológicos, as guerras só servem para provocar o mais cruel sofrimento humano.

Segundo, a preservação dos valores universais. A lei internacional conheceu enormes avanços desde 1945. Os seus princípios têm de ser acatados. Com equilíbrio, de modo igual, quer se trate do país A ou B. Dois pesos e duas medidas levam ao descrédito da ética universal.

Terceiro, o respeito pela vida e pelos direitos fundamentais de cada pessoa. Essa é a questão que recebe mais ênfase quando se fala com os habitantes das zonas mais esquecidas do mundo, nas regiões onde muitos dos conflitos ocorrem.

Quarto, reduzir o fosso do subdesenvolvimento. Depois de vários anos de sucesso, estamos agora a mover-nos no sentido oposto. O aumento das disparidades económicas e sociais é, de um lado, uma fonte de tensões, de instabilidade, de hostilidade em relação aos países mais desenvolvidos, de migrações descontroladas e de deterioração do meio ambiente. Do outro lado, gera racismo, xenofobia, menosprezo e indiferença perante a pobreza de muitos.

Quinto, contribuir para o renascimento do papel político da ONU. Não quero entrar no debate sobre a margem de manobra do secretário-geral. Mas não posso deixar de lembrar a importância da Carta das Nações Unidas. Devemos insistir, repetidamente, no respeito absoluto pelos princípios aí definidos.

A defesa da Europa das democracias será certamente uma questão central em 2025. Reduzir, todavia, o assunto à expansão das nossas indústrias de Defesa é um erro. Como também é irrealista e desestabilizador exigir, do pé para a mão, gastos que representariam 5% do PIB de cada Estado. O verdadeiro drama é conseguir-se construir uma política europeia de Defesa coerente e partilhada, que reconheça os principais perigos e tenha em conta, de modo consensual, o contributo possível de cada país.

Trata-se de uma questão essencialmente política. Haverá Estados cujas lideranças de turno se sentirão mais próximos do inimigo que dos nossos regimes de liberdade. O debate, este ano, não pode ignorar essa realidade. Terá de definir uma posição comum perante esses indivíduos. Como deverá igualmente chegar a um acordo que reveja as relações entre os EUA e os demais membros da NATO - assunto a merecer importante reflexão, em momento adequado.

Conselheiro em Segurança Internacional

Ex-secretário-geral-adjunto da ONU

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