Último
Em cada semana há vários vacilos que acarinho de bom tom. Pensamentos que fluem e que acabam por ser o processo de escolha para o tema de cada crónica. Pode ser algo já escrutinado, mas com um ângulo que sobra, ou até o que ninguém escreveu. Às vezes sinto só a falta de uma palavra qualquer, que ainda assim conseguiu ficar omissa no meio da imitação servil de análise mediática do que acham que é importante para os nossos dias.
Não poucas vezes uma emergência atropela o que parecia escolhido. Assim, para além do que se imprime, sobra muito. Dessa semana, das semanas anteriores, dos últimos meses, até de anos passados de quando ainda não tinha esta incumbência. Tudo algures numa listinha infinita, naquilo a que chamamos um ficheiro, mas que não é mais que zeros e uns escondidos bem longe do meu computador, numa localidade indecifrável. Tudo é relativo.
A minha condução automóvel por itinerários errantes, indefinidos e longos; é na verdade o espaço de escrita, onde concebo palavras, frases e parágrafos; resta-me depois aninhar-me naquele troço temporal que se tornou sagrado a cada quinta-feira, em que passo tudo para convénios aceitáveis para serem entregues no dia seguinte, de modo a chegar a vocês a cada sábado.
Eventualmente esta semana seria como as outras. O processo estava desencadeado, mas foi formalmente interrompido com a correspondência electrónica da direcção do DN anunciando a minha dispensa como cronista do jornal.
Nos últimos mais de vinte anos tive responsabilidades institucionais que não me permitiam assumir um espaço tão público como uma coluna de jornal. Agradeço ao Diário de Notícias o convite e a oportunidade, onde tentei explorar uma liberdade profissional recentemente adquirida.
Mesmo sabendo que o futuro da minha presença seria precário, atraiu-me a ideia de participar com narrativas semanais num diário cujas dificuldades financeiras e orgânicas são conhecidas, achando, de algum modo, que podia contribuir para a sua melhoria.
Por fim, sou também agradecido a um conjunto particular de circunstâncias destes últimos seis meses. Da neta que me apresenta uma avó a pedido desta por gostar de ler o que escrevo, da mulher que trabalha na minha rua e que me interroga no café se sou o autor das crónicas de que lê assiduamente, do jovem que descobriu o que era o DN, até aos alunos do secundário que me interpelam por terem estudado um texto meu em sala de aula.
Nesta cidade há uma série de cadeiras e paredes vazias, que já foram ocupadas por mulheres e homens que muito me ensinaram. Fui feliz a devolver-lhes vida como personagens de algumas das minhas crónicas.
Obrigado e abraços, também à Catarina ao Nuno e à Raquel por reverem os meus textos à vez. Vou continuar aí na rua. Alguns sabem onde me encontrar.
Assistente Social