Títulos e mais títulos, notícias e mais notícias, debates e mais debates sobre leitura. E o que realmente se faz com isso?

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Aparecem amiúde dados sobre leitura em Portugal. São feitos títulos em letras gordas e vão pessoas às televisões opinar: alguns cientistas e outros apenas com o estatuto de opinadores frequentes. No mês de dezembro, os títulos dos jornais e os noticiários incidiram sobre as percentagens de portugueses que não lerem um só livro (58% de acordo com dados referidos no Público) e outros sobre a percentagem de portugueses adultos com dificuldades de compreensão leitora só apreendendo o conteúdo de textos simples (cerca de 40%), sendo que 15% seriam mesmo analfabetos funcionais. No ano anterior, os dados do PISA davam conta que 23% dos jovens de 15 anos não tinham alcançado um nível elementar de leitura (OCDE, 2023) e em 2022 os dados do PIRLS apontavam para que 25% de jovens de 10 anos não alcançaram um nível elementar de leitura. Estes dois últimos dados, dado a consistência das duas percentagens, sugerem mesmo que se as dificuldades de leitura e escrita não forem superadas nos anos iniciais da escolaridade são mais difíceis de serem ultrapassadas mais tarde (existem estudos correlacionais que comprovam o que estou a dizer). Já este mês o Presidente da Comissão Nacional de Educação referiu numa entrevista que metade das crianças do 2.º ano de escolaridade têm dificuldades na leitura e na escrita.

Estes dados dão indicações claras de que a aposta educativa terá de ser feita com particular intensidade no pré-escolar e no primeiro ciclo. Se a leitura não for dominada ao nível da fluência e das capacidades de compreensão durante o primeiro ciclo dificilmente poderá ser usada como instrumento de aprendizagem e como tal vai influenciar o percurso escolar e definir prováveis insucessos. Também hábitos de leitura e capacidade crítica de processamento de informação ficaram necessariamente comprometidos, por mais que uma certa classe intelectual pugne pela leitura dos clássicos. É, portanto, urgente ir à raiz do problema.

Os estudos indicam que fatores como o nível social e fracos hábitos de leitura dos próprios pais estão associados ao sucesso no processo de alfabetização. Estes aspetos estão relacionados com dimensões mais sociais, cujas opções políticas ultrapassam o âmbito da escola, no entanto, tal não acontece com a qualidade da instrução proporcionada às crianças. Há investigações que sugerem que se a instrução às crianças for baseada em dados científicos as dificuldades podem ser reduzidas entre 2 a 10%. Isto significa, por exemplo, que educadores e professores compreendam a natureza do código alfabético. No sistema alfabético as letras representam sons ou fonemas e os fonemas são abstratos na medida que o que articulamos são as sílabas. Esse fator levanta dificuldades às crianças na compreensão do que as letras representam sons e, portanto, devem ser feitas atividades no pré-escolar e 1.º ano de escolaridade que ajudem as crianças a compreender este princípio a par com o método formal. Além disso, outros aspetos como a diversidade do vocabulário oral e a compreensão da estrutura das palavras em termos dos seus morfemas estão implicados quer na fluência, quer na compreensão leitora nos anos mais precoces. É igualmente importante trabalhar dimensões motivacionais. Em qualquer ciclo de ensino, o prazer da leitura deve ser uma experiência vivenciada e partilhada entre os professores e alunos. Vários estudos mostram como a motivação para a leitura vai decaindo com o avançar da escolaridade e isto acontece a partir do primeiro ciclo.

Apesar de os últimos quarenta anos de investigação na área da leitura darem indicações bastante consistentes sobre práticas facilitadoras da aprendizagem da leitura e escrita, nem sempre esses dados são integrados na formação dos professores em Portugal tal como foi demonstrado num estudo recente de Isabel Leite e colegas. Formar professores com qualidade e exigência e tornar as crianças mais felizes com livros e vontade de aprender está a tornar-se um imperativo de sobrevivência numa sociedade cada vez mais complexa, na qual a informação circula a uma velocidade estonteante e a reflexão se vai tornando um privilégio de muito poucos.

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