Tu não viste nada em Istambul
Tu n’as rien vu à Hiroshima
(Marguerite Duras)
O turista que neste momento eu sou na Turquia pode bem fazer suas as palavras que o personagem japonês de Marguerite Duras dirige à francesa que visita com ele os lugares terríveis de Hiroxima. Pois o turista é, por definição, aquele que nada vê do lugar que visita.
Todo o conhecimento que me chega da situação política no país onde me encontro colho-o na internet, nos canais de televisão e nos sites da BBC, que nunca falham, entupidos que estão os outros sites noticiosos com as façanhas de Trump ou o sofrimento da Palestina. Os turcos, não é que estejam esquecidos, o que se passa é que lhes falta o dramatismo e a paixão que abrasam outras partes do mundo.
A Turquia é um país charneira entre a Europa e o Oriente, entre a Ucrânia, com o chamado Ocidente, e a Rússia, entre o mundo islâmico e o nosso mundo ocidental. Internamente, digladiam-se aqui, como é sabido, alguns movimentos islâmicos moderados e radicais em oposição aos princípios estritamente republicanos e laicos legados por aquele que foi o fundador da nação turca, sob os despojos do Império Otomano, Mustafá Kemal Ataturk. O atual governo, dirigido por Erdogan, é islamista moderado e pretenderia basear nesses princípios a democracia turca. A realidade presente, com as violações conhecidas dos direitos humanos, as repetidas prisões de jornalistas e a recente detenção do líder da oposição, o presidente do Município de Istambul, que seria anunciadamente o candidato oposto a Erdogan nas próximas eleições presidenciais, deixa dúvidas sobre esta democracia.
Mas Erdogan, hábil político, tem rentabilizado a projeção externa da Turquia através da sua situação geográfica única e da sua capacidade pessoal, tanto de intervenção dura como de diálogo e de mediação entre as partes, como se tem visto na guerra da Ucrânia e na revolução na Síria. Com uma situação geopolítica mundial atravessada por incertezas sem limite e mudanças de posição, que julgávamos impossíveis quase todos os dias, Erdogan apresenta-se como um estadista conhecedor e maduro, capaz de ser (usemos a língua inglesa, para mostrar que a conhecemos) um “honest broker” num tão confuso panorama mundial.
O turista que eu sou, esse, navega Bósforo fora, olhando os palácios imperiais otomanos de uma margem, convertidos em hotéis de mil e uma estrelas, e as casas senhoriais da outra margem, transformadas em moderníssimas residências de luxo ou, o mesmo é dizer, em excelentes ativos imobiliários. Estamos longe da descrição nostálgica que Orhan Pamuk faz, no seu Istambul, dos passeios familiares que eram os seus por aquela margem burguesa do Bósforo e das suas visitas, quando criança, àquelas moradias, hoje tão transformadas.
Nós vivemos o nosso presente entre a nostalgia e o terror difuso, e é o kitsch, como o brilho falso daquelas casas modernas no Bósforo, que vem enfeitar com lantejoulas a nossa desesperada condição.
Eu não vi nada em Istambul
Diplomata e escritor