Trump volta a descolar
Se as eleições presidenciais EUA-2024 fossem hoje seria muito provável que Donald Trump vencesse. Mas não serão: até 5 de novembro, ainda (quase) tudo pode acontecer.
Trump voltou a descolar: surge à frente em quase todos os estados decisivos, com diferenças acima dos quatro pontos percentuais em estados como Arizona, Geórgia ou Nevada (todos ganhos por Biden em 2020) ou Carolina do Norte e Florida (ambos ganhos por Trump em 2020).
Nos três estados competitivos do Midwest - vou colocar o Ohio de fora, por ser cada vez mais um território solidamente republicano -, mantém-se um empate técnico. Trump tem vantagem ínfima no Wisconsin (+0.6%) e no Michigan (+0.8%), mas não tão negligenciável na Pensilvânia (+2.0%).
Ora, para o mapa eleitoral de uma possível reeleição Biden, surge como absolutamente fundamental que o Presidente mantenha estes três estados. Se o fizer - e a se a isso juntar a confirmação de vitória em todos os estados “tendencialmente democratas” - Joe Biden vencerá com 270 Grandes Eleitores (apenas mais um que os 269 necessários!).
Ou seja: apesar da clara vantagem de Trump neste momento (lidera os sete estados decisivos, ainda que por diferenças curtas em três deles), o caminho para a vitória de Biden ainda se revela perfeitamente possível - e nem sequer parece estar muito distante da realidade atual.
Quanto ao mapa eleitoral de um eventual (neste momento, provável) regresso de Trump à Casa Branca, parece provável que o ex-Presidente-que-pode-voltar-a-ser vencerá todos os estados que venceu em 2020. Se o fizer, só precisa de ganhar três estados decisivos: Arizona e Geórgia (está bem à frente nesses dois) e apenas um dos três da “Blue Wall” - Pensilvânia, Michigan ou Wisconsin.
Jovens e não brancos podem decidir
O que explicará uma nova descida de Biden, depois do Presidente ter recuperado, nas últimas semanas, quase toda a desvantagem que teve para Trump nos meses anteriores? É difícil responder categoricamente, mas, ainda assim, é possível elencar alguns motivos.
Um dos principais tem a ver com o que está a acontecer com os jovens e com os eleitores não brancos. Tratam-se de dois segmentos decisivos para uma maioria presidencial democrata na América de hoje e têm peso superior à média nacional em estados como Arizona, Geórgia e Nevada. Ou Biden resolve este problema com o seu eleitorado natural ou corre mesmo o risco de ter como última boia de salvação segurar a Blue wall (muro democrata) que conseguiu montar na eleição de 2020 na “Rust Belt” - a Cintura da Ferrugem que bordeja os três estados que poderão definir a eleição 2024: Wisconsin (Biden +0.62% em 2020), Michigan (Biden +2.91% em 2020), Pensilvânia (Biden +2.17%).
Em todos os estados decisivos, Trump consegue segurar mais de 90% dos votos dos eleitores republicanos. Só que, no caso de Biden, há uma clara diferença: na Geórgia, Arizona e Nevada, fica-se pelos 82/84% dos democratas; nos três da Rust Belt, obtém o apoio de 94% dos democratas no Michigan, 90% dos democratas na Pensilvânia e 93% dos democratas no Wisconsin.
Há até uma ligeira contradição na atual base de apoio de Biden: como democrata, tem no confronto com o republicano mais apoios nos não brancos, mas revela-se mais forte no seu próprio eleitorado nos estados com mais brancos: os brancos representam 84% do eleitorado no Wisconsin, 79% do eleitorado na Pensilvânia e 74% do eleitorado no Michigan. Já na Geórgia e no Nevada são apenas perto de metade e no Arizona 60%.
Trocado por miúdos: Biden precisa, nos próximos cinco meses, de e reconciliar com o voto negro na Geórgia e com o voto latino no Arizona e no Nevada.
Trump e Biden estão empatados nos jovens de 18 a 29 anos e eleitores hispânicos, embora cada grupo tenha dado a Biden mais de 60 por cento dos seus votos em 2020. Trump também ganha mais de 20 pontos percentuais nos eleitores negros - uma contagem que seria o nível mais alto de apoio negro a qualquer candidato presidencial republicano desde a promulgação da Lei dos Direitos Civis de 1964.
Outra possível explicação: a Economia
O descontentamento com a economia também estará na base do novo momento complicado para a campanha de reeleição de Biden.
Cerca de 90 por cento dos eleitores jovens e 85 por cento confiam mais em Trump na economia. Esses sinais sugerem que Biden tem muito espaço para fazer melhorias e elaborar uma mensagem melhor se quiser diminuir a vantagem de Trump.
Perto de 40% dos eleitores americanos aprovam a forma como Biden lida com a economia, mas 58% desaprovam (Financial Times). Isto é ligeiramente melhor que em novembro passado, quando o mesmo estudo apontou 36% a aprovar e 61% a desaprovar.
Isto não é um bom presságio para Biden: as “questões económicas, como empregos e custo de vida” surgem como a principal preocupação na escolha do próximo Presidente. Depois a “imigração e segurança das fronteiras”, “o futuro da Segurança Social e do Medicare”, seguido de “crime, segurança pública e violência armada”.
Grande parte da desaprovação da gestão económica de Biden parece ser motivada pela inflação. Os inquiridos indicaram que a questão económica mais significativa que influenciou o seu voto presidencial foi a inflação, seguida dos preços do gás e dos custos da habitação.
Já quanto ao conflito Israel-Hamas, e apesar da vocalidade dos protestos de uma parte da esquerda e dos jovens universitários, pelo menos para já isso não está a ser muito relevante para Biden: algo como pouco mais de 1% da parcela de votos de Biden em 2020.
Um cenário possível: Trump eleito, mas democratas a dominar Congresso
Definitivamente, 2024 pode vir a ser um ano atípico. Não é impossível, pelos dados atuais, que 5 de novembro revele, no mesmo dia, que Trump consiga bater Biden para a eleição presidencial, mas os democratas possam ter uma grande noite nas corridas às duas câmaras do Congresso.
É, aliás, bastante provável que os democratas recuperem a Câmara dos Representantes (que neste momento os republicanos controlam por apenas três lugares em 435) e não é impossível que mantenham o Senado.
Muitas sondagens identificam algo que deve merecer preocupação para os estrategas da campanha de reeleição de Biden: alguns candidatos democratas ao Senado têm um desempenho melhor do que Biden e recebem maior apoio dos próprios eleitores democratas. Mas também pode indicar que o Presidente tem ainda uma significativa margem para crescer até novembro.
Boa notícia: vai haver debates. Má notícia: são só dois
Chegou a temer-se que, pela primeira vez desde 1960, não houvesse qualquer debate para as presidenciais de 2024. As candidaturas de Biden e Trump alcançaram um acordo, algo surpreendente e à revelia da Comissão de Debates Presidenciais, e decidiram-se por dois debates (e não os habituais três propostos pela Comissão).
As datas também surpreendem: em 2012, no duelo Obama/Romney entraram por outubro, mês anterior à eleição; em 2020, no primeiro duelo Biden/Trump, o último foi a 29 de setembro. Desta vez haverá um primeiro a 27 de junho e um segundo a 10 de setembro. A principal razão para a antecipação tem a ver com a importância crescente do early vote (voto antecipado): de facto, não faria muito sentido que momentos de tanta visibilidade e alcance ocorressem depois de milhões de americanos já terem votado.