Trump. O Mundo virado do avesso
Temos de regressar ao livro War, de Bob Woodward, um dos dois jornalistas que trouxe a lume o Caso Watergate, para tomarmos consciência de quem, verdadeiramente, é Donald Trump.
No seu livro, Bob Woodward, numa citação do senador republicano da Carolina do Sul, Lindsey Graham, refere que este, ao visitar Mar-a-Lago, residência de Trump, lhe contou que sempre que Trump entra na sala onde o esperam os convidados, “todos se levantam e batem palmas”, como se de um ditador se tratasse. Num verdadeiro exercício de auto-elogio, e numa entrevista concedida a Bob Woodward por Trump, este afirmou que Putin se referiu a ele dizendo: “Trump é brilhante e vai ser um grande líder.”
Estas palavras vindas de Putin a propósito de Trump não são, propriamente, o melhor cartão de visita, para quem, a partir da próxima segunda-feira, dia 20, vai ser o presidente do (ainda) mais poderoso país do mundo e lanterna do Ocidente.
Depois de segunda-feira muita coisa pode mudar, se Trump insistir nos disparates geopolíticos que tem vindo a referir como presidente-eleito.
Não se imagina qual será a reacção das Forças Armadas norte-americanas se Donald Trump avançar com a abstruza ideia de invadir, militarmente, a Gronelândia, apesar da sua riqueza e da importância geoestratégica que assume como futuro corredor de passagem do comércio mundial. Preventivamente e de um modo muito inteligente o ministro dos Negócios Estrangeiros da Dinamarca já abriu a porta a negociações. Fê-lo e bem, como modo de evitar uma, muito improvável, intervenção militar norte- americana num país da NATO que deixaria irritados os chineses e boquiabertos os países (ainda amigos) da União Europeia.
A imprevisibilidade de Trump e a sua política errática sobre o lançamento de novas taxas aduaneiras nos produtos importados pelos Estados Unidos já parece ter entrado no limbo do conjunto de iniciativas políticas que serviram, apenas, na campanha eleitoral, para consumo interno. Já todos perceberam, particularmente os americanos, que lançar taxas de 60% sobre produtos chineses, e de 10% ou 20% sobre mercadorias com origem noutros países é dar um tiro no pé da economia norte-americana. Além de rebentar com o comércio mundial, aumentará a custo desses mesmos produtos e fará disparar a inflação nos Estados Unidos.
Seguramente, Donald Trump e os seus mais próximos conselheiros não vão querer virar a opinião pública norte-americana contra eles logo nos primeiros meses, devido a um aumento do custo de vida. Portanto no que respeita ao aumento das taxas aduaneiras já entrámos naquele território de indefinição pantanosa de onde não se sabe como Trump vai sair.
Depois, é possível que o novo presidente dos Estados Unidos regresse à lenga-lenga das deportações em massa. Para quem conhece os Estados Unidos, não se entende como será possível deportar, em massa, uma considerável componente da população latino-americana do Texas, onde existem segundas e terceiras gerações de norte-americanos provenientes do México. Além de que, se começarem a faltar braços para trabalhar, o custo da mão-de-obra vai aumentar, significativamente, criando uma irritação nos empresários norte-americanos.
Ao enveredar por uma política, excessivamente, proteccionista, os Estados Unidos deixarão um vazio mundial que alguém irá ocupar. O recente reforço dos BRICS com a adesão da Indonésia é exemplo disso. Ao cortar os laços ideológicos que o ligam às mais velhas democracias europeias, Trump abre uma caixa de Pandora de consequências imprevisíveis.
O Partido Democrata que perdeu estas eleições terá, no futuro, com a sua oposição, um papel decisivo no controlo dos exageros e das imbecilidades políticas de Trump. Os Estados Unidos são um país de instituições fortes e de classes sociais que se mobilizam, facilmente, na defesa dos seus direitos. Cabe, agora, aos democratas, desenvolverem uma oposição firme e eficaz que não permita a Trump exercer o poder de um modo autoritário e incongruente. Não será fácil, mas a democracia norte-americana não pode soçobrar perante um protagonista político que, com políticas erradas, colocará em causa a ordem mundial vigente de tolerância, liberdade e cooperação, que tem sido apanágio da Humanidade.
Na segunda-feira toma posse nos Estados Unidos um presidente autoritário, mas nasce também a mobilização dos que vão opor-se a que o Mundo fique virado do avesso.
Jornalista