Trump e Putin - a arte de negociar
A conversa telefónica de Donald Trump com Vladimir Putin, a segunda desde que o novo presidente americano tomou posse a 20 de janeiro, confirma a determinação dos Estados Unidos de normalizarem a relação com a Rússia, mas dificilmente pode ser interpretada como tendo os resultados desejados pela Casa Branca no que respeita à paz na Ucrânia.
A decisão do presidente russo de aceitar uma suspensão de 30 dias dos ataques a infraestruturas energéticas fica muito aquém da proposta de um cessar-fogo total de 30 dias apresentada pelos Estados Unidos com a concordância da Ucrânia. E sobretudo deixa a dúvida se Putin está, de facto, a procurar um compromisso ou, pelo contrário, a tentar tirar vantagem da óbvia vontade de Trump em obter resultados rápidos no sentido de um acordo de paz na Ucrânia.
Enquanto os peritos militares interpretam um cessar-fogo total de 30 dias como algo positivo para Kiev, cujas tropas estão a ser rechaçadas tanto na frente do Donbass como nas posições que ocupavam na região russa de Kursk, já a contraproposta de Putin obrigaria Volodymyr Zelensky a desistir dos ataques com drones contra alvos russos, que apesar de tudo têm sido a forma recente mais eficaz de retaliação aos invasores.
A resposta do presidente ucraniano a Putin terá sem dúvida de ser ponderada, além das considerações estratégicas, tendo em conta a pressão de Trump para haver resultados. Zelensky já aprendeu que não convém irritar Trump. Mas independentemente disso, há ainda a exigência russa de fim do apoio militar ocidental a Kiev para poder aceitar o tal cessar-fogo total de 30 dias. Não só afeta o aliado americano, como também os europeus, e esses continuam a defender o rearmamento do continente e a continuação do apoio à Ucrânia, como se percebe pelas palavras de Ursula von der Leyen a António Costa, ambos em nome da União Europeia, passando pelo presidente francês Emmanuel Macron e o novo chanceler alemão Friedrich Merz, e também pelo primeiro-ministro britânico Keir Starmer.
Desta segunda conversa telefónica de 2025, Trump e Putin, que se encontraram pessoalmente durante o primeiro mandato do americano, podem tirar argumentos para reivindicar êxitos: Trump pode sempre dizer que finalmente conseguiu uma cedência de Putin, e Putin pode afirmar que a relação com os Estados Unidos está em vias de normalização depois do ostracismo da Administração de Joe Biden, que foi duríssimo com a Rússia a seguir à invasão da Ucrânia em fevereiro de 2022.
O desafio grande será ir além de declarações a favor da paz e de propostas calculistas. Trump gosta de negociar, e tem uma vida profissional que o ensinou a fazê-lo, mas Putin tem uma experiência de exercício do poder que o obrigou ao longo dos anos a negociar num patamar elevado, o dos interesses nacionais. Haverá um momento em que a conversa telefónica entre os dois poderá não chegar, ou até correr mal. E tudo o que negoceiem, à distância ou de olhos nos olhos, terá de ter em conta a vontade dos ucranianos e a determinação dos europeus. Não se adivinha que a guerra no Leste da Europa termine assim tão facilmente como Trump ambiciona.
Diretor adjunto do Diário de Notícias