Tarifas, recessão e paninhos quentes

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O governo Trump utiliza as tarifas de três maneiras principais, como: 

1. instrumento macroeconómico: função mais convencional, seja para proteção das indústrias nacionais (ex: a siderúrgica), incentivo à produção nacional, diminuição dos défices da balança comercial, aumento das receitas públicas provenientes dos direitos tarifários. 

2. instrumento de negociação – as tarifas são uma forma de pressionar os parceiros comerciais durante as negociações, uma potencial moeda de troca; podem aumentar a margem de manobra dos EUA e resultar em novos acordos comerciais – como o acordo comercial EUA-China Fase Um assinado durante o primeiro mandato de Trump. 

3. instrumento punitivo: como alternativa ao uso de sanções financeiras ou outras para “punir” ou “sancionar”, inclusive para questões não comerciais. 

Porém, é duvidoso que Trump tenha ponderado bem os efeitos decorrentes do brutal aumento de tarifas que impôs em relação a praticamente todos os países. No curto prazo, a provável inflação e a incerteza económica – desde logo nos EUA – levaram já as bolsas de valores a cair a pique.  

O desemprego aumentará certamente (a Stellantis suspendeu já 900 trabalhadores em 5 fábricas nos EUA e 4.500 trabalhadores no Canadá, tendo parado a produção em fábricas no México e no Canadá). Só nos EUA, a Tax Foundation estimara uma perda de 605.000 postos de trabalho.

Os analistas da J. P. Morgan estimam que o risco de uma recessão este ano é agora de 60%.

Para a J. P. Morgan, “as políticas disruptivas dos EUA foram reconhecidas como o maior risco para a perspetiva global durante todo o ano” e “o efeito será provavelmente ampliado através de retaliações (tarifárias), uma queda no sentimento empresarial dos EUA e interrupções nas cadeias de abastecimento”.

No que tange a negociações, apenas é seguro o interesse de Israel e da Argentina. A UE está disponível, mas a postura da administração americana não favorece tal desiderato. Nunca é demais relembrar que a situação vigente em 2024 decorre de acordos comerciais internacionais longamente negociados sob a égide da OMC. Esta saraivada de tarifas decretada pelo governo americano viola, frontal e canhestramente, o direito internacional, que vincula os EUA, que são membros da OMC. Similar violação já sucedera quanto às tarifas impostas a produtos provenientes do México e do Canadá; apesar de o acordo USMCA haver sido imposto por Trump no seu primeiro mandato, é agora por ele rasgado para tentar obter melhores condições. Não admira que Trump tenha sido um empresário medíocre – é incapaz de compreender o valor da palavra dada e dos compromissos assumidos, sem vergonha nem honra. Que quase 80 milhões de cidadãos dos EUA o tenham seguido e eleito mostra que o problema é sério e persistente no longo prazo. É mais que duvidoso que a estratégia correta para lidar com gente assim seja usar paninhos quentes.

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