Tarifa, essa “bela” palavra

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Em outubro do ano passado, a menos de um mês das eleições que lhe dariam outra vitória nas Presidenciais dos Estados Unidos, Donald Trump participou num encontro do Economic Club of Chicago, onde elogiou as virtudes de uma medida que, já se percebeu, gosta de aplicar no início do mandato. “Para mim, a mais bonita palavra do dicionário é ‘tarifa’”, disse Trump.

Já o achava em 2018, quando impôs taxas de 25% sobre a importação de aço e 10% sobre o alumínio europeus (mas também de outros aliados como o Brasil, a Coreia do Sul, a Turquia ou a Noruega), alegando razões ligadas à segurança nacional dos Estados Unidos. A União Europeia retaliou, aplicando tarifas no valor de 2,8 mil milhões de euros em produtos importados dos EUA como o sumo de laranja, a manteiga de amendoim, as motas Harley Davidson e o whiskey do Tennessee.

No verão de 2019, Trump e a Comissão Europeia chegaram a uma espécie de acordo, através do qual os Estados europeus se comprometeram a comprar mais soja e mais gás natural norte-americanos (o que se viu, com o aumento de metaneiros em Sines).

Mas isso foi só com Trump, certo? Errado. Biden ganhou as eleições nos EUA em 2020, mas, apesar de ao longo da campanha ter atacado a política de tarifas do seu antecessor Trump, não as eliminou quando chegou à Casa Branca. As taxas de 25% e 10% foram ‘transformadas’ em quotas de importação para o aço e o alumínio europeus negociadas e acordadas entre as duas partes. Em troca, a UE suspendeu as suas próprias tarifas até março de 2025. Ou seja, se Bruxelas não tomar uma decisão em contrário, entram automaticamente em vigor daqui a um mês.

Uma arma que, neste momento, dá jeito ter no bolso, uma vez que Trump está a retomar o guião anterior, deixando claro que vai aplicar tarifas transversais, entre outros, à UE e à China.

O problema desta nova guerra comercial com Trump é que apanha a Europa numa posição comercial muito diferente da que tinha em 2018. Leia-se: a UE tem bastante mais a perder. Se em 2018, a UE e a China representavam, cada uma, cerca de 16% das exportações mundiais (em valor), no ano passado a quota de mercado chinesa subiu para 17,5% enquanto a da UE caiu para 14,3%, indicam dados da Comissão.

Com as tarifas de Trump, a China - um gigante que tem vindo a sofisticar como nenhum outro a sua capacidade exportadora - vai ter um poderoso incentivo a intensificar este ritmo, desequilibrando ainda mais a balança em desfavor da Europa. Aliás, a UE pode mesmo tornar-se o destino de escape de uma verdadeira enchente de produtos chineses proibidos de aterrar nos Estados Unidos. Potencialmente reduzindo os preços e afetando os produtores europeus (que ainda resistiram à deslocalização da produção para a Ásia). O BCE de Christine Lagarde já se mostrou preocupado e os líderes europeus, a diferentes vozes, também. Aparentemente, não tiraram algum tempo, em 2019, para pensar na jogada seguinte.

A palavra “tarifa” pode ser a mais bonita do dicionário de Trump, mas no nosso não será com toda a certeza.

Diretor-adjunto do Diário de Notícias

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