Taekwondo, um exemplo de poder suave coreano
Desta vez não vou falar da Samsung, da LG ou da Hyundai, marcas de grande êxito que ajudam a explicar que a Coreia do Sul esteja entre as 15 maiores economias mundiais. Vou falar sim de taekwondo, uma arte marcial nascida na Península Coreana, e que desde 1974 é praticada em Portugal, contou-me o embaixador Cho Yeongmoo, depois de uma exibição espetacular de estudantes da Universidade Hwasung Medi-Science na Praça do Comércio.
Com saltos acrobáticos e perícia absoluta nos movimentos, os jovens sul-coreanos prenderam a atenção de uma pequena multidão numa das zonas mais emblemáticas de Lisboa e, de certeza, devem ter deixado alguns dos espectadores com vontade de aderir ao taekwondo. Nesse caso, juntar-se-iam a milhares de portugueses que já praticam este desporto, alguns deles com experiência como atletas olímpicos, pois desde os Jogos de 2000, em Sydney, esta arte marcial faz parte do programa.
A minha filha é um desses milhares de portugueses que se renderam ao taekwondo e foi muito por causa dela que estive na terça-feira ao final da tarde na Praça do Comércio. É ainda adolescente e os três anos de prática refletem-se num cinto azul, muito longe, portanto, dos cintos negros da Universidade Hwasung Medi-Science. Mas o entusiasmo dela saiu reforçado e tenho a certeza de que hoje irá contar na Vermelhudo, a escola de artes marciais onde pratica, o que viu.
Muitos dos alunos são jovens, mas treinam lá atletas de todas as idades. E já vi alguns cintos brancos, o dos iniciantes, com cabelos também brancos, o que demonstra que se pode aderir ao taekwondo quando se quiser.
Por acompanhar a minha filha nos torneios sei como as famílias se envolvem. O que gera uma grande empatia por este desporto, mas também pelo seu país de origem. E nunca falta a bandeira da Coreia do Sul a relembrar onde nasceu esta arte marcial.
A própria embaixada associa-se muitas vezes às provas, e ainda no fim de semana passado houve uma Taça do Embaixador disputada em Canedo, Santa Maria da Feira, competição integrada na celebração do meio século de prática do taekwondo em Portugal, que começou em Lisboa com o mestre Chung Sun Yong, no Sporting, segundo li em várias páginas online de promoção do desporto.
O mais surpreendente, porém, é que o taekwondo não é um caso isolado no que diz respeito a atrair milhares de portugueses para a cultura sul-coreana, ou coreana, pois infelizmente a Coreia do Norte é um país praticamente isolado do resto do mundo. Aliás, mesmo se as duas Coreias partilham uma língua e uma cultura comuns, hoje há fenómenos que têm muito que ver com a sociedade que se desenvolveu na metade sul da Península, uma democracia próspera, totalmente aberta ao mundo.
Um exemplo desses fenómenos é o k-pop, que também mobiliza fãs em todos os continentes, com as bandas mais famosas a terem seguidores em Portugal. Isso percebe-se não só por os ocasionais concertos esgotarem, mas também através de eventos como o concurso anual de k-pop, em que concorrentes em grupo ou individuais tentam chegar à final na Coreia do Sul.
Sou testemunha disso, pois, por ter já ido em reportagem à Coreia do Sul (e depois em férias com a família também), fui algumas vezes convidado para fazer parte do júri. E fiquei sempre fascinado: concorrentes vindos de todos os recantos de Portugal, e um público numeroso de familiares e amigos a aplaudi-los.
Herança da Guerra Fria, a divisão da Coreia (e as ameaças de guerra pelo norte) muitas vezes enche as páginas de jornais e os telejornais, mas em paralelo há também toda uma avalanche de notícias positivas que demonstram a pujança da Coreia do Sul.
Essa pujança é económica, claro, basta pensar nos telemóveis, nos televisores ou nos carros, mas também tem este lado de soft-power, ou poder suave, que vai da música às artes marciais, das séries televisivas e do cinema à gastronomia. Pensem só em Parasitas, que ganhou o Oscar de Melhor Filme, ou no sucesso que foi Squid Game na Netflix.
Já agora, há restaurantes coreanos em Portugal que vale a pena experimentar, como o K-bob em Lisboa, onde sou cliente habitual, ou o Siktak, no Porto, onde cheguei a ir, e ainda esta semana um padre português que viveu muitos anos em Seul me disse continuar bom.
Também há supermercados coreanos em Portugal e, das algas tostadas ao soju, passando pelos noodles picantes, há muito para provar numa primeira experiência de contacto com a cultura gastronómica coreana.
Por falar em comida coreana, destaco o kimchi, couve branca fermentada e barrada com pasta de pimentão vermelho. É uma comida das mais saudáveis do mundo. O curioso é que, sendo parte da tradição plurimilenar coreana, só no século XVI o kimchi ganhou cor e um toque picante e isso tem que ver com os portugueses.
Não se sabe pormenores, pois a Coreia na época da Dinastia Joseon era um reino fechado e, portanto, o contacto com Portugal foi mínimo, mas talvez tenham sido comerciantes coreanos que trouxeram o pimentão do Japão, para onde tinha sido levado pelos portugueses, ou até ter sido trazido para a Coreia por portugueses integrados nos exércitos invasores japoneses do final do século XVI, que foram derrotados pelo almirante Yi Sun-sin.
Pela centralidade, fez todo o sentido ser na Praça do Comércio a exibição de taekwondo, mas também podia ter sido nos jardins junto ao Tejo, entre Alcântara e Belém, onde uma escultura de Vhils homenageia João Mendes, que desembarcou em 1604 junto de Tongyeong e foi o primeiro europeu a constar dos anais coreanos, com o nome Ji-Wan-Myeon-Je-Su.
Quem me contou em tempos estes últimos pormenores foi Byung Goo Kang, professor de História, cultura e língua coreanas na Universidade Nova de Lisboa. Está em Portugal há 40 anos e muitos dos seduzidos pelo poder suave coreano acabam por frequentar as suas aulas, onde Kang explicará, por exemplo, que taekwondo pode ser traduzido de forma livre, e refletindo um sentido filosófico, como “uma maneira de parar de lutar e construir um mundo melhor e mais pacífico, usando as partes do corpo corretamente”.
Diretor adjunto do Diário de Notícias