Surpreendente criação de empresas na Índia

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Ao comemorar os 75 anos da Independência da Índia, é oportuno recordar uma tendência que irá marcar o futuro, uma profusa criação de novas empresas, que se tem vindo a acelerar nos últimos tempos.

Em 2016 foram menos de 500 start-ups*. Mas no corrente ano elas são já 73.000. É um número muito bom para um país que não tinha tradição de criação de empresas. Melhor, sob o modelo económico do tipo soviético que durou desde a independência até ao ano 1991, quem quisesse ter iniciativas empresariais teria de emigrar, porque não havia lugar para ele/a no país. Mesmo assim, ainda surgiram no marasmo do Licence Raj algumas empresas de pessoas indómitas e patriotas que não cederam à facilidade de criar empresas nos Estados Unidos ou no Reino Unido. Quiseram fazê-lo no seu país, apesar dos pesares!

A partir de 1991 tem havido um ambiente cada vez mais favorável à criação de novas empresas e ao aparecimento de bons empreendedores, em quase todos os ramos da atividade económica. Houve um claro esforço nesse sentido, pois que só as empresas criam riqueza e trabalho, ambas as coisas tão importantes para qualquer país e mais ainda para a populosa Índia.

Facilitou haver uma alta densidade de empresas das novas tecnologias com um grande domínio delas por especialistas indianos; haver uma elevada criatividade no resolver problemas da sociedade; e haver boa disponibilidade de capitais para investir, mormente de empreendedores indianos com experiência dos EUA, em particular da Califórnia e de outros locais pujantes de inovação, onde eles ganharam treino na descoberta de ideias que poderão vir a ser um sucesso.

Entre as novas empresas**, onde se identificam 56 setores, contam-se mais de 4.500 start-ups na Internet das Coisas (IoT), Robótica, Inteligência Artificial e Analítica. Reconhecidas estão cerca de 12% no setor de TI, 9% no domínio dos cuidados da saúde e ciências da vida; 7% na educação; 5% no setor profissional e de negócios de serviços e 5% no setor agrícola.

Se já o número de 73.000 é muito bom, com a experiência adquirida ele poderá acelerar-se no futuro. A aprendizagem é uma constante da vida e um fator de acumulação de conhecimentos e sabedoria para ir mais longe e fazer melhor.

Em qualquer domínio, a quantidade importa e não se pode pretender que uma nova start-up seja logo um sucesso. Havendo quantidade, aparece a variedade e, a seguir, como por processo de seleção natural, destaca-se a qualidade. Com ela podem dar-se passos seguros e rápidos e tornar mais conhecida e com forte crescimento a start-up em causa.

Com a ampla divulgação do conceito de unicórnios*** pode estar a introduzir-se um fator desestabilizador, por todos quererem que a sua empresa venha a ser isso. Para se provar que uma ideia é mesmo boa terão de passar bastantes anos de prova, para se ir completando e funcionar em todos os pormenores e brilhar na sua plenitude.

No reconhecimento do valor, com algum artifício dos investidores, pode haver o nervosismo e por vezes alguma manipulação, dos que querem valorização alta e rápida, para tirar partido dela em benefício próprio.

Parece ser aconselhável não entrar em correrias e continuar um trabalho sereno e profundo, de algo para funcionar e durar. Muitos unicórnios tiveram rápida fama; contudo, o crescimento louco e descontrolado parece ter destruído a capacidade de pensar com calma e objetividade e de fazer bem o que tinham iniciado. Tiveram dificuldades e problemas e, com elas uma queda da confiança do público, em muitos casos.

Uma consultora disse que os empresários indianos juntaram US$ 42.000 milhões em 2021, a comparar com os US$ 11.500 milhões de investimentos no ano anterior. De acordo com o The Indian Tech Unicorn Report 2021, a Índia teria 46 novos unicórnios em 2021, mais que dobrando o número total para 90. Com 90 unicórnios, a Índia é o terceiro maior hub de unicórnios, depois dos Estados Unidos (487) e da China (301), e à frente do Reino Unido (39). Note-se ainda que 55% dos unicórnios dos EUA são promovidos por emigrantes. E, desses, 66 por emigrantes da Índia e 54 por israelitas****.

O ecossistema de start-ups indiano gerou até agora 746.000 empregos. Mesmo assim, o número de jobs não dá para repor as perdas na pandemia. É preciso repensar este aspeto, impulsionando start-ups que sejam mais intensivas em mão de obra, sempre que possível. Contudo, não deixa de ser interessante salientar que cerca de 49% das nossas start-ups estão atualmente em cidades de nível II e III, o que é prova da juventude do país.

Quando surgem ideias brilhantes é desejável que não faltem investidores sérios, para as fazer prosperar com rapidez. Bem importante é tomar as medidas para criar um ambiente que favoreça a experimentação das ideias, o encontro das pessoas com objetivos afins e uma infraestrutura que torne os primeiros passos mais fáceis, sem que os jovens se sintam esmagados pelas dificuldades dos começos, e com vontade de desistir. É verdade que as dificuldades iniciais são um bom filtro para deixar passar as boas ideias e pôr à prova a paciência do seu autor em demonstrar a sua valia...

Houve oportunas reformas, 52 ajustamentos na regulamentação, para criar essa facilidade de fazer negócios, para conseguir o capital e reduzir as complicações de conformidade com as exigências do ecossistema de start-ups. Com o "Programa de Proteção à Propriedade Intelectual de Start-ups", simplificaram-se e aceleraram-se os processos relacionados com a concessão de patentes e marcas. "Como resultado, quase 6 mil patentes e mais de 20 mil marcas foram solicitadas neste exercício financeiro", disse o então presidente Kovind em 31 de Janeiro de 2022 no Lok Sabha/Rajya Sabha.

A maioria dos IIT-Indian Institute of Technology e os IIM-Indian Institute of Management, além de varias outras Instituições de Ensino Superior qualificadas e destacadas, têm as suas incubadoras de start-ups, onde disponibilizam espaço e serviços básicos, bem como newsletters sobre os avanços e realizações dos projetos que funciona nessa instituição, para que os Business Angels ou outros potenciais investidores vão acompanhando a evolução. E os novos grupos de estudantes, possam ver, deixar-se contagiar pelo ambiente e tentar explicitar as suas próprias ideias.

Tais incubadoras são um ambiente propício para estímulo mútuo, um caldo de cultura empreendedora, resultante da troca de ideias, e onde muitas vezes se captam ideias soltas no ar que podem ser um acicate para quem está em sintonia.

A Flipkart foi o unicórnio mais valioso (US$ 37.600 milhões, após receber US$ 3.600 milhões em julho de 2021), hoje, empresa propriedade da Walmart Stores. A Mensa Brands foi a mais rápida a ser unicórnio (apenas 6 meses após receber a primeira rodada de US$ 50 milhões em maio de 2021), de acordo com um relatório.

Há quem afirme que 20% dos fundadores de unicórnios não são engenheiros e dois terços dos unicórnios indianos têm pelo menos um ou mais fundadores formados nos IIT, ou IIM, ou outras escolas famosas.

Start-ups e unicórnios em números citados, dão ideia de um ritmo muito bom para um país que nunca sobressaíra neste domínio, sempre enterrado na sua pobreza e miséria. Haverá que manter o ritmo, sem se cair na obsessão de que só contam os unicórnios.

Seria muito de louvar todo o esforço para lançar empresas de tecnologia avançada, nos domínios agrícola e de agribusiness, para se ter a mestria da segurança alimentar e se detetar as possíveis adulterações de produtos comestíveis.

Professor da AESE-Business School (Lisboa) e do Indian Institute of Management, Rohtak (Índia)
Autor de "O Despertar da India"

*As start-ups são empresas de propriedade privada, nos seus primeiros estádios de desenvolvimento.
**Cfr. Times of India, 8 de agosto, 2022.
***Homenagem ao animal possante com o chifre apontando para um crescimento exponencial. A start-up unicórnio tem uma avaliação superior a $1000 milhões.​​​​​​​
****Business Today Desk, 27 de julho, 2022.

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